Marcelo abençoa a geringonça e dá cinco razões para o seu sucesso
A dias de o Governo completar um ano de mandato, o Presidente da República enaltece os resultados, obtidos também por si, e pede agora um projecto nacional de médio e longo prazo.
Marcelo Rebelo de Sousa antecipou-se uns dias ao balanço de um ano de governo e fez ontem uma avaliação muito positiva do ano em que ele próprio se tornou Presidente da República num contexto de crise política, económica e social, que hoje dá por apaziguada.
Na abertura da conferência Que direcção para Portugal e a Europa?, promovida pelo Jornal de Negócios, em Lisboa, o chefe de Estado elogiou o país que soube reencontrar a estabilidade e “construir confiança” e pediu agora um projecto nacional de médio e longo prazo. Um discurso alinhado com o que fizera o primeiro-ministro na véspera, mas que foi muito mais longe na análise política.
Em 45 minutos, o Presidente passou em revista todo o ano de 2016 para vincar a evolução conseguida na actual conjuntura política, deixando perceber o seu papel central no sucesso da solução governativa e na ultrapassagem de quase todas as dificuldades. Mas na hora de atribuir méritos, distribui-os por todos: “Governantes, oposições, parceiros sociais, mas acima de tudo os portugueses”. E como elemento agregador aponta “o optimismo realista” que sempre disse ser o seu.
Mas logo no início disse ao que vinha: “O país precisa de uma perspectiva de médio e de longo prazo”. Aquilo que definiu como “um projecto nacional perante a nova realidade económica, financeira e social portuguesa”. Não só para abrir caminhos para o futuro, mas também, ou sobretudo, por causa da conjuntura europeia e mundial. “É precisamente a imprevisibilidade que nos rodeia que exige um mínimo de previsibilidade interna”, alertou.
A concertação social, deixou perceber o Presidente, é um dos palcos privilegiados para encontrar caminhos para esse projecto de médio prazo, ainda que reconheça dificuldades. “É difícil a concertação social? É difícil, sobretudo quando há determinados pontos já decididos ou encaminhados num curtíssimo prazo”, disse, sem se referir explicitamente ao salário mínimo. “Mas o que interessa é olhar para o médio prazo e aí a concertação social não se faz apenas com a discussão sobre um ponto”, afirmou.
“O apelo que faço para os próximos anos é que, mantendo as divergências próprias da democracia, se tenha a noção daquilo que é primeiro, que é crucial e vai ser duradouro. Foi isso que presidiu aos primeiros meses do mandato presidencial, é preciso que continue nos anos vindouros”, rematou, mostrando que a sua análise não era um balanço do governo, mas uma avaliação do seu próprio trabalho.
Sobre o que poderia ser este projecto nacional, nada avançou. Mas a análise do que foi o ano de 2016 deixa algumas pistas e prioridades.
Estabilidade sim, centrão não
Primeiro a política. Marcelo lembrou que, no início do seu mandato, “mais depressa encontrava cépticos do que optimistas”, e que uma das suas dificuldades era “explicar a observadores e agentes económicos e financeiros que essa perspectiva negativa não era inexorável”. Essa prova foi superada, com a sua intervenção, disse: “Conseguimos garantir a estabilidade política que se considerava questionável. Essa estabilidade – que o Presidente tudo tem feito para que se mantenha, na área do governo como na oposição, no plano dos partidos como das suas lideranças – acabou por entrar na vida dos portugueses, perfilando-se dois caminhos sobre a governação do país”.
O que é positivo, considerou, defendendo mais uma vez a existência de alternativas políticas claras. “Neste momento, configurar um centrão artificial, imposto, na governação do país seria pouco clarificador. O clarificador é saber-se exactamente o que é proposto por cada uma das fórmulas governativas que no momento existem e podem existir, desejavelmente até ao fim da legislatura”, afirmou.
Marcelo referiu-se também à estabilidade social comprovada com o pequeno número de greves e manifestações. “Essa autoconfiança social, essa distensão e ultrapassagem de crispações - que não escondi ser um dos objectivos do mandato presidencial - entrou na vida dos portugueses”, constatou. Foram “processos de estabilização política e social lentos, complexos e difíceis de pilotar, mas superaram as expectativas”.
Compromissos europeus e consensos implícitos
Outro desafio, afirmou, era saber se a solução governativa iria cumprir os compromissos europeus, sobretudo o défice, uma vez que os partidos que apoiam o Governo sempre contestaram o Tratado Orçamental. Marcelo regozija-se com os resultados: dois orçamentos e uma execução orçamental que cumprem o défice. E a consequente leitura política: “Foi possível integrar no sistema, ao menos num quadro conjuntural, realidades políticas [BE e PCP] que partiam de posições assistemáticas”. Foi a primeira referência aos “consensos implícitos” que diz existirem no país.
Sistema financeiro
Marcelo elencou os problemas que a banca portuguesa enfrentava no início do ano, da recapitalização da CGD à venda do Novo Banco, passando pelos bancos privados em dificuldades. “Todos estes problemas estão em vias de resolução”, afirmou, fazendo uma espécie de autodefesa que o coloca no centro da solução. “Algumas vezes ouvi críticas à preocupação do Presidente nesta matéria, mas poderia algum Presidente consciente não se preocupar e ajudar, no quadro dos seus poderes constitucionais? Seria uma irresponsabilidade”, afirmou.
Neste sector identificou outro “consenso de regime implícito”: “As forças políticas, mesmo aquelas que tinham uma posição mais assistémica, aceitaram a premência do problema, a necessidade da sua resolução, não suscitando questões que constituíssem um ruído evitável num processo particularmente melindroso”, afirmou.
Confiança, economia e dívida
O Presidente enalteceu que o país foi capaz de “construir confiança, passo a passo”, apesar do ponto de que partia com a ‘geringonça’. “Temos agora nos próximos anos várias decisões de investimento importantes”, afirmou Marcelo, colocando-se ao nível do primeiro-ministro quando anunciou que estará com António Costa, em breve, “numa grande unidade industrial que vai reactivar” um sector que não especificou.
Mas elencou alguns sectores que considera deverem ser “linhas de regime”: o turismo tradicional e de investimento imobiliário, as exportações, o digital, mas também a refinação.
No campo dos problemas, Marcelo colocou a escassa formação de poupança e a dívida pública. Mas mesmo assim desdramatizou um pouco: “Sabíamos que a gestão da dívida, numa orientação que já vinha do passado, no sentido de substituir prazos e baixar juros, momentaneamente iria provocar uma subida do montante da dívida. Mas é preocupante”.