COP22: O ambiente na cimeira pelo futuro do planeta

Uma coisa para a qual não estava preparado eram as orações a ecoar no átrio do meu Riad às 5h da manhã, como se estivessem à porta do meu quarto. Acordei de sobressalto, racionalizei, e voltei a dormir. 

De manhã saio do quarto preparado para o meu primeiro dia de COP22. Com um sol radiante, subo ao terraço para apreciar a envolvente silenciosa e dou de caras com um cágado: “só pode ser bom sinal!”. O pequeno-almoço é divinal e o rapaz que o serve, quando comento, diz-me: “os turistas são reis em Marrocos”. Diz-me que tem que ser assim pois é o que lhes dá de comer e que não conhece nenhuma família em Marrocos em que não haja pelo menos um elemento que vive de turismo. Atrasei-me um pouco com o pequeno-almoço e o computador, mas o mesmo rapaz simpático dá-me boleia de mota pelas vielas marroquinas, sem capacete como qualquer outro “local”, até à zona da Medina.

Encontro-me com o Robert da UNDP Croatia, e com a Sissy e a Marylin da bettervest (outra plataforma de crowdfunding, como a Parity mas alemã, com experiência em eficiência energética e renováveis, na Europa e países em desenvolvimento) ainda a tempo de um sumo de laranja natural antes de irmos para o recinto da COP22. Os projetos Europeus, com muitos defeitos que têm, também têm este lado de networking e partilha de experiências e conhecimento muito importantes.

Ao chegar ao recinto rapidamente percebemos onde estamos, tal é a diversidade de pessoas que se encaminham para o controlo de segurança e o número de bandeiras à entrada. No interior há um longo passeio ladeado por grandes pavilhões improvisados onde tudo acontece. A sensação é difícil de descrever. Estamos no centro da ação mas não vemos nada. São centenas de pessoas atarefadas, a andar de um lado para o outro.

O ambiente é menos animado que o que esperava. Tudo bem que é uma cimeira pelo futuro do planeta, mas não deixa de ser uma negociação internacional e as “partes” estão também aqui para defender os seus interesses. Parece-se muito com o que vivia nos corredores do Parlamento Europeu quando lá estive, mas bastante mais diverso. As delegações nacionais reúnem, preparam estratégias, e vão para as negociações. Depois voltam a reunir, debater, e outra vez negociações. Pelo meio há centenas de “side events” organizados por múltiplos atores. Não admira que a COP dure mais de 10 dias.

Chegada a hora do nosso evento - “Financing the Paris agreement – Harnessing the potential of crowdfunding platforms” – já havia um nervoso miudinho. Não sabemos quanta gente vem nem quem vai estar na plateia. 

Foi uma boa surpresa! Sala cheia e com muitos países representados, sobretudo Europa e África. Foi bom ver 4 portugueses na plateia. Um deles membro da Coopérnico! Nas apresentações falámos do crowdfunding a nível mundial (segundo a Universidade de Cambridge @cambridge alternative fin atingiu os 145 biliões de Dólares em 2015!), do envolvimento dos cidadãos na transição energética e da tangibilidade deste tipo de investimento por comparação com o mercado de capitais. Mas o melhor foi a discussão que se seguiu. As plataformas precisam de bons projetos, os países africanos precisam de os financiar. A ligação foi mais que óbvia. Claro que também houve alguns descrentes e perguntas difíceis, mas correu tão bem que tiveram que expulsar-nos da sala para começar o “side event” seguinte.

Foi quando encontrei a Andrea Santos, do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, que tive coragem de falar no Donald Trump pela primeira vez. E ela, que está cá desde o início, confirmou a suspeita, as eleições tiveram um efeito anestesiante nos trabalhos, ainda mal tinham começado. Para quem está nesta área e sabe o que custa atingir o consenso num tema que mexe com tantas sensibilidades e interesses, o resultado eleitoral nos Estados Unidos foi bem pior que um balde de água fria. As mesmas lágrimas de emoção que quem lá esteve diz terem corrido em Paris há um ano atrás, devem ter sido agora derramadas pelo motivo inverso. 

O resto do dia passou a correr entre pequenos eventos, exposições e o regresso à zona da Medina para jantar, finalmente uma tajine e couscous, e fazer umas pequenas compras. É tão cansativo negociar aqui! Por outro lado conhecem sempre Portugal e alguns vendedores até falam bastante bem português.

Regresso a casa com a sensação de ir cedo demais (quanto mais se aproxima o final da COP maior deve ser a pressão dos resultados), mas com motivação reforçada.

Em Marraquexe, para a COP22, ouvi falar mais do Cristiano Ronaldo que do Donald Trump.

 

Nuno Brito Jorge, Coordenador Europeu do CITIZENERGY

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