Pessoa em inglês, no caminho do jazz e ao encontro de Pirandello

No disco de Mariano Deidda, ouvimos Fernando Pessoa em italiano e ao som do jazz. No de Sofia Vitória, estão os seus poemas em inglês musicados por portugueses. E em Itália ele vai cruzar-se com Pirandello.

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Mariano Deidda e Sofia Vitória: Pessoa em italiano embalado no jazz e em inglês com sons portugueses SARA MATOS / ANDY DYO

Fernando Pessoa continua a ser fonte de inspiração musical. Mariano Deidda, o italiano que se fez arauto do poeta em Itália e no mundo, vê editado em Portugal um disco que intitulou Pessoa Sulla Strada Del Jazz. E a jovem cantora portuguesa Sofia Vitória lança um disco, Echoes, onde catorze dos poemas que Pessoa escreveu em inglês foram transformados em canções por outros tantos músicos e compositores portugueses.

O disco de Deidda, editado pela Valentim de Carvalho, reúne doze temas seleccionados de dois dos quatro álbuns que ele dedicou ao poeta (Nel Mio Spazio Interiore, 2003; e L’Incapacità di pensare, 2005), com a particularidade de neles participarem distintos músicos de jazz, como Enrico Rava, Kenny Wheeler, Miroslav Vitous, Gianni Coscia ou Gianluigi Trovesi. Daí o título do disco. E há ainda duas faixas extra, ambas do disco Rosso Rembrandt, só com poemas da italiana Grazia Deledda, Nobel em 1926.

Já o disco de Sofia Vitória, com a chancela da Casa Fernando Pessoa, partiu de poemas de Pessoa ortónimo ou dos seus heterónimos Alexander Search e Charles Robert Anon, transformados em canções por catorze músicos (seguindo a ordem por que aparecem no disco): João Paulo Esteves da Silva, Joana Espadinha, José Peixoto, Luís Figueiredo, João Hasselberg, Mário Laginha, António Zambujo, Paula Sousa, José Mário Branco, José Peixoto, Amélia Muge, Daniel Bernardes, a própria Sofia Vitória e Edu Mundo.

Deidda, no jazz e para lá dele

O disco de Mariano, mal se abre, mostra nele impressa esta frase de Pessoa: “A poesia é a emoção expressa em ritmo através do pensamento, como a música é essa mesma expressão, mas directa, sem o intermédio da ideia. Musicar um poema é acentuar-lhe a emoção, reforçando-lhe o ritmo.” Ele diz que todos os seus discos partem deste mote, mas que este será, entre eles, o mais ambicioso. “Todos os discos que eu faço têm um toque de jazz, e este junta músicos fantásticos. Mas o que mais me entusiasma é que ter feito este disco na terra de Pessoa. Não seria o mesmo se o tivesse feito em Itália.”

Mas esta aventura musical pessoana, que ele não dá por terminada, levou Mariano a um outro projecto: “juntar” Pessoa e Pirandello na terra natal deste último, Agrigento, a partir de dois livros do casal António Tabucchi e Maria José de Lancastre, Chamam ao Telefone o Sr. Pirandello (onde Tabucchi o imagina a dialogar com Pessoa) e Com Um Sonho na Bagagem - Uma Viagem de Pirandello a Portugal. “Pirandello esteve em Lisboa em 1931, para um congresso organizado por António Ferro. Será que Ferro, que era amigo de Pessoa, não terá feito qualquer coisa para eles se encontrarem?” A dúvida persiste, talvez um dia se esclareça. “Mas porque não organizar, hoje, esse encontro?”, diz Mariano com entusiasmo. Dito e feito: escreveu uma carta à presidente da Câmara de Agrigento (“onde tudo se chama Pirandello”), ela recebeu-o e Fernando Pessoa vai ter ali uma rua com o seu nome, ligada a outra com o nome de Pirandello.

Homenagem em Agrigento

Será assim: em 2017, quando se celebrarem os 150 anos do nascimento de Pirandello (1867-1936), Fernando Pessoa (1888-1935) vai “encontrar-se” simbolicamente com ele em Agrigento, terra natal do dramaturgo, poeta e romancista siciliano. Depois de conseguir que um jardim-infantil de Chivasso (região do Piemonte, província de Turim), fosse baptizado em 2015 com o nome de Fernando Pessoa (“que maravilha haver uma criança que diz à mãe: ‘Leva-me ao Jardim Pessoa, para brincar’), Mariano Deidda propôs agora dar o nome de Fernando Pessoa a uma rua em Agrigento, se a houvesse livre. E conseguiu, após uma reunião na Câmara local. “Uma coisa fantástica! No final da Via Pirandello há uma escadaria gigante, enorme, que vai chamar-se Via Fernando Pessoa. Ficarão uma em frente à outra. E pensámos pôr uma estátua de Pessoa no topo da escadaria.” Isso será pretexto para um intercâmbio cultural mais vasto, a anunciar no próximo ano, que levará italianos a Portugal e portugueses a Itália.

A "missão" de Sofia Vitória

O projecto de Sofia Vitória nasceu de um recital de poesia, na Casa Fernando Pessoa, com poemas de Pessoa e Vinicius de Moraes, em 2011. Ela já tinha recusado em 2010 um projecto também ligado a Pessoa, com o qual não se identificou, e quando surgiu o novo convite aceitou-o, comentando: “Bom, Pessoa anda aqui presente…” Por causa disso, foi voltando a ler Pessoa, coisa que tinha feito na adolescência. Um dia, ela, que gostava muito dos Madredeus, gravou um concerto deles na RTP e estranhou ouvir uma canção que não conhecia. Era um poema de Pessoa. “Tenho a imagem muito presente.”

À medida que ia lendo, deparou com as últimas palavras que Pessoa escreveu, e que foram em inglês: “I know not what tomorrow will bring”. “Aquilo teve um impacto forte em mim, no sentido de uma estranheza. E pensei: isto não é por acaso.” Daí partiu para uma pesquisa de canções em inglês, e não encontrou praticamente nada. “Pensei: tenho de fazer isto.” Foi à Casa Fernando Pessoa, confirmou que não havia nada feito em inglês em termos de canções e avançou com a sua “missão”. O seu disco anterior, só com canções de Chico Buarque, tinha sido feito com o pianista Luís Figueiredo, e ele foi o primeiro a entrar no projecto Echoes. Depois surgiram outros nomes e o disco foi tomando forma com José Peixoto (guitarra clássica), Luís Figueiredo (teclas e arranjos), António Quintino (contrabaixo), Joel Silva (bateria) e Eduardo Raon (harpa e guitarra eléctrica). Ou Donovan Bettencourt (spoken word), que no final lê, também em inglês, já depois das canções, três excertos do livro Heróstrato e a Busca da Imortalidade.

O disco de Mariano Deidda será lançado dia 25 de Novembro na Fnac Chiado (18h30) e dia 30 na Livraria Leya na Barata (18h30) e o disco de Sofia Vitória vai ser apresentado ao vivo no Fórum Municipal Luísa Todi, em Setúbal, no dia 9 de Dezembro às 21h30.

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