Médico do curso de comandos suspenso e restantes arguidos libertados
Director da prova de Comandos e um dos intrutores sairam do tribunal sem estarem indiciados de qualquer crime. Quatro outros instrutores são suspeitos de ofensas à integridade física graves, por negligência.
O médico que assistiu dois alunos do 127.º curso de Comandos que acabaram por morrer, em Setembro, está indiciado por dois crimes de homicídio negligente, e foi suspenso de funções por decisão da juíza de instrução do caso, que libertou na noite desta sexta-feira os restantes seis arguidos detidos no dia anterior de manhã.
A juíza considerou quatro instrutores do curso indiciados pelo crime de ofensas à integridade física graves, alegadamente cometidos por negligência, mas aplicou-lhes a medida de coacção mais leve, o termo de identidade e residência. Esta medida, aplicada a qualquer arguido, obriga apenas os suspeitos a indicarem uma morada para serem notificados e a avisarem o tribunal de qualquer ausência da residência superior a cinco dias. O director da prova de Comandos, um tenente-coronel, e um dos instrutores saíram do tribunal sem estarem indiciados de qualquer crime.
A informação foi transmitida através de um comunicado da comarca de Lisboa, divulgado nesta sexta-feira já depois das 23h. A nota precisa que ao médico, um capitão que também é comando, foi “aplicada a medida de suspensão do exercício de funções no Regimento de Comandos e de exercício de funções em unidades de saúde militares”.
Suspensão pedida para os sete militares
O PÚBLICO sabe que o Ministério Público pediu que os sete militares fossem todos suspensos de funções, por considerar que havia risco de perturbarem o inquérito e de continuarem a actividade criminosa. A juíza de instrução só aplicou a medida a um deles.
As medidas de coacção foram determinadas depois de a juíza de instrução ter indeferido o pedido de libertação imediata apresentado por um advogado (Habeas Corpus) que sustentava que as detenções eram ilegais. Só depois de considerar o pedido sem fundamento, a juíza começou os interrogatórios dos arguidos.
À saída do tribunal, os advogados dos arguidos confirmaram que só um deles, o médico, prestou declarações no primeiro interrogatório judicial, tendo os restantes suspeitos optado pelo silêncio.
Os problemas com os alunos ocorreram logo no primeiro dia do curso, a 4 de Setembro, um dia em que o próprio Exército registou a meio da tarde 40,7º Celsius no campo de tiro. A primeira vítima, o segundo furriel Hugo Abreu, com 20 anos, entrou em paragem cardiorrespiratória pouco depois das 20h30, quatro horas e meia após ter entrado na enfermaria de campanha, uma tenda sem refrigeração.
Não chegou a ser transferido para qualquer hospital, tendo o óbito sido declarado no local. Segundo o porta-voz do Exército, às 19h, o médico militar que estava de serviço – e que terá saído por volta das 20h, deixando mais de 20 vítimas na tenda com dois enfermeiros e dois socorristas – decidiu que os dois militares deviam ser transportados para o Hospital das Forças Armadas, o que não chegou a ocorrer.
O Instituto Nacional de Emergência Médica foi chamado quando Hugo Abreu entrou em paragem e foi o médico que respondeu ao pedido de ajuda que decidiu transportar o soldado Dylan Silva, também com 20 anos, para o Hospital do Barreiro, na noite daquele domingo. O recruta acabou por morrer no sábado seguinte, quando aguardava um transplante de fígado.
Mais de uma dezena de outros alunos do curso tiveram de ser internados durante a primeira semana do curso.
Os relatórios das autópsias dos alunos que morreram terão concluído que os militares foram impedidos de beber água durante as longas horas do treino, o que os deixou num situação de desidratação extrema. Nos exames foram detectadas lesões neurológicas graves e irreversíveis e sinais de diversas agressões.
Os sete militares libertados juntam-se aos dois enfermeiros interrogados em finais de Outubro, tendo o inquérito, neste momento, nove suspeitos formais.
Numa entrevista à RTP, em Setembro, a mãe do furriel Hugo Abreu, Ângela Abreu, acusou o Exército de ocultar a verdade e disse que o filho foi obrigado a comer terra já depois de entrar em convulsões. Nessa altura, a RTP ouviu vários instruendos do curso que, sob anonimato, confirmaram a versão da família de Hugo Abreu. O recruta já estaria “próximo da inconsciência, com imensas dificuldades respiratórias e foi forçado a engolir terra”, disse um deles. As descrições levaram o bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, a abrir um inquérito disciplinar ao médico agora suspenso.