“Os trabalhadores nunca fazem luta pela luta”, diz Jerónimo junto a manifestantes
Funcionários públicos manifestaram-se em Lisboa para exigir a reposição dos seus direitos laborais, entre os quais o número de dias de férias e descongelamento nas carreiras.
Foi debaixo de chuva que funcionários públicos de vários pontos do país se reuniram esta sexta-feira no Marquês de Pombal, em Lisboa, depois das 15h, para dar início a uma manifestação com destino à Assembleia da República. O protesto, que aconteceu no último dia para apresentar propostas de alteração ao Orçamento do Estado, acompanhou uma greve no sector que originou o encerramento de serviços públicos um pouco por todo o território nacional.
O encontro, marcado pela Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública, liderada por Ana Avoila, contou com a presença de vários grupos sindicais, nomeadamente o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local (STAL) e uma delegação da CGTP liderada por Arménio Carlos. O descongelamento das carreiras e das progressões, a manutenção da ADSE na esfera pública, a actualização do salário mínimo nacional foram as reclamações mais urgentes feitas pelos manifestantes.
Entre chapéus-de-chuva, centenas de trabalhadores e representantes de vários sectores – contabiliza a Lusa, embora um elemento da Frente Comum tenha dito ao PÚBLICO que, contabilizando apenas manifestantes transportados pelos sindicatos da administração pública, estiveram três mil pessoas – subiram a rua Braancamp e aliviaram os constrangimentos que entretanto se formaram na rotunda do Marquês. Gritos de ordem como "trabalho igual, horário igual, 35 horas já", “a luta continua, nos serviços e na rua” e "emprego sim, precariedade não" acompanharam a marcha que atravessou o Largo do Rato até ao Palácio de S. Bento.
O objectivo era levar para sede do Orçamento do Estado a reposição dos direitos retirados nos últimos anos, explica Pedro Frias, de 39 anos, membro da direcção do Sindicato Nacional de Enfermeiros. O sector está a luta pela reposição do pagamento das horas extraordinárias e a admissão de pessoal. “Continuamos preocupados com a admissão de funcionários”, sublinha o sindicalista. “O Ministério da Saúde diz que não tem verba, mas não consideramos esse argumento válido, uma vez que existe verba em sede de Ministério destinada a outras estratégias, mas que deveria ser canalizada para estas prioridades”.
Entre os manifestantes estava também Benvinda Borges, de 46 anos, técnica da administração pública. Não é a primeira manifestação em que participa – nem será a última, assegura. “A reposição do horário das 35 horas de trabalho semanal na administração pública foi um incentivo para continuar a lutar pela reposição de direitos dos trabalhadores”, sublinha ao PÚBLICO. Agora, as medidas mais urgentes para as quais pede atenção são o descongelamento das progressões nas carreiras, o aumento salarial e a reposição dos dias de férias, reduzidos pelo anterior executivo. Auxiliar de acção médica, Fernanda Borges, de 51 anos, pede que seja dado ao sector reconhecimento salarial.
Reagindo ao comentário de Marcelo Rebelo de Sousa que dizia esta sexta-feira que a manifestação seria para reivindicar medidas para o Orçamento de 2018, o líder do PCP, Jerónimo de Sousa, que se juntou aos manifestantes já no largo em frente à Assembleia da República, disse que este “é um Orçamento que não anda para trás, mas não responde satisfatoriamente a algumas questões”, acrescentando que “o processo de discussão na especialidade continua” e que o PCP não se conforma “com fechos antecipados” e vai “persistir com as reiniciações dos trabalhadores”.
Jerónimo de Sousa sublinhou a solidariedade do PCP e destacou que o documento do Orçamento deve ter em conta as necessidades dos trabalhadores, notando que “uma outra política fiscal poderia ajudar a encontrar as soluções em termos de verba orçamental”. Questionado se esta era uma “prova de vida” dos sindicatos, o líder comunista respondeu que “os trabalhadores nunca fazem luta pela luta, não estiveram aqui apenas a sinalizar, estiveram aqui para que lhes reponham o que está consagrado na lei”.
Também presente na manifestação, Joana Mortágua sublinhou ao PÚBLICO que o Bloco de Esquerda se antecipou durante a manhã em reunião com o ministro das Finanças, que colocou as questões “que justamente os funcionários públicos estão a fazer”. Notando que “este Orçamento é um orçamento constitucional”, a deputada bloquista reconheceu que existem no entanto matérias por resolver. “Precisamos de sinais de que as pessoas [que integrem o] diagnóstico de precariedade serão alvo de um projecto de regularização do seu vínculo e que terão direitos e deixarão de ser precários”, disse.
Em relação aos aumentos salariais e descongelamento das carreiras, Mortágua apontou uma “divergência clara entre o Bloco de Esquerda e o Governo”. “O Governo acha que não tem margem orçamental para fazer isto e nós dizemos ao Governo que [sim,] renegociando a dívida e se pararmos de ser os parvos desta história, porque França não cumpre o tratado orçamental e nós somos obrigados a cumprir. Temos que olhar para a situação e dizer que o nosso compromisso é com os trabalhadores”, vinca.
Ainda assim, a deputada do Bloco de Esquerda sublinhou que a negociação é feita “até ao último segundo”. “Temos de aguardar”, mas, acrescentou, “uma coisa é certa, este diagnóstico da precariedade vai ter de ter efeitos reais em 2017, não pode ficar reduzido ao papel”.