Lisboa no quarto de Rossetti
Poeta e pintor pré-rafaelita terá cortado o quadro da Rua Nova dos Mercadores para poder pendurá-lo no seu quarto.
As duas pinturas que despoletaram a exposição são também o principal foco do filme de 12 minutos que Annemarie Jordan Gschwend e Kate Lowe prepararam para A Cidade Global. Nele contam como terá a obra ido parar às mãos de Dante Gabriel Rossetti (1828-1882), um dos fundadores da Irmandade Pré-Rafaelita, grupo artístico que, na Inglaterra de meados do século XIX, se rebelava contra o academismo e, no espírito romântico, procurava recuperar na arte os valores da Idade Média e do início do Renascimento.
Diz Jordan que o pintor e poeta se terá interessado por esta imagem – na altura em que a comprou seria uma obra só, com cerca de dois metros de largura – por causa da representação dos escravos e muito provavelmente sem saber de que cidade se tratava: “Não é uma pintura de alta qualidade – o pintor anónimo que a faz não era nenhum Miguel Ângelo, nenhum Rafael – mas é muito diferente do ponto de vista iconográfico. Acho que Rossetti nunca tinha visto tantos negros numa pintura e ficou curioso.”
Curioso ao ponto – "isto é só uma teoria", sublinha a historiadora – de a cortar ao meio para que coubesse na parede do seu quarto, só acessível aos mais íntimos, divisão onde também guardava uma pequena colecção de porcelanas chinesas e lacas japonesas.
E porque terá um pintor mutilado assim a obra de outro pintor? “Rossetti não tinha vergonha nenhuma de mexer nas obras de outros. Na altura ele terá achado que esta pintura era de Velázquez ou, pelo menos, da escola de Velázquez, e mesmo assim cortou-a. Sabemos que ele coleccionava mestres da pintura antiga e que terá, por exemplo, feito alguns repintes num Botticelli.”
O que Jordan também sabe é que o antiquário londrino a quem o pré-rafaelita comprou esta rara vista de Lisboa se chamava George Love. E isso diverte-a.