A propósito da nova taxa que a União Europeia aplicará aos produtos açucarados, a Coca-Cola organizou uma campanha à volta do assunto. Nela afirmava que existia discriminação na forma como a U.E. estava a pensar a lei, por taxar alguns produtos e outros não, estando o açúcar (leia-se sacarose) incluído nestes últimos. Independentemente da agenda escondida da marca, o facto é que tem razão, pois continua a haver vários pesos e várias medidas e poucos resultados.
Supostamente, e para todos os efeitos, habitamos uma democracia de pleno direito na qual cada um usufrui do seu próprio corpo da forma que melhor lhe aprouver, seja fazendo piercings, ingerindo substâncias destrutivas, que podem ou não ser legais, ou depositando-o no sofá o fim-de-semana inteiro. A eutanásia ainda não está abrangida, mas lá chegaremos — eventualmente. Portanto, regra geral, o estado coíbe-se de legislar sobre o corpo do cidadão, excepto nos casos em que as substâncias são consideradas altamente nocivas, sendo assim alvo de atenção especial. Esse é o caso da cocaína, que curiosamente, numa investigação científica não tão recente assim, foi preterida pelos ratos em favor da sacarose e da frutose. Para que não haja dúvidas, o que está em causa não é o acúcar naturalmente presente nos alimentos mas aquele que é adicionado, como o das bolachas e dos bolos. Antes que alguém comece a agitar as bandeiras do fundamentalismo e do radicalismo, no mínimo há que questionar o fundamento das decisões, se não o legal, pelo menos o pessoal.
Se é certo que ratos não são pessoas — e pessoas não são ratos —, também é certo que há neste mundo um maior número de consumidores de açúcar do que de cocaína, sendo muitos deles crianças. O simples facto de termos sido educados para abraçar o açúcar como parte natural da alimentação e da vida não deve equivaler a uma aceitação cega, quanto mais não seja porque além do açúcar que é ingerido conscientemente, existe aquele em que nem se repara e que é adicionado a alimentos como o pão ou a temperos como a mostarda.
Isto não implica que o açúcar deva ser proibido, até porque a proibição só resulta num aumento do desejo, mas sim que deve haver mais informação disponível. Os ingredientes dos produtos devem ser mais claros, os impostos desses artigos devem ser aumentados e acima de tudo devem promover-se alternativas saudáveis, sendo os adoçantes artificiais tão duvidosos como a própria sacarose.
Tempos houve em que o tabaco, o álcool ou a sacarina — um adoçante artificial cancerígeno cujo consumo durante anos foi aprovado por vários governos — também beneficiavam do mesmo “laissez faire laissez passer” de que hoje em dia os produtos com açúcar se aproveitam. Tal apenas acontece porque os nossos governos continuam a legislar na base do interesse financeiro e quando alguns estudos determinam que até uma quantidade específica, uma substância artificial não representa perigo para a saúde, essas mesmas substâncias são alegremente incluídas na alimentação humana com o aval de entidades como a EFSA ou a FDA. É por isso que, com tantos pesticidas, edulcorantes e aditivos a nossa alimentação é cada vez pior. E por consequência, também a saúde.