Europa está "sob ameaça permanente", um ano depois dos atentados de Paris
França nunca mais saiu do estado de emergência e o primeiro-ministro Manuel Valls avisa que não se pode baixar a guarda. “Haverá sempre mais atentados, sempre mais vítimas inocentes.”
Como reagir? Há os que têm medo do outro, têm medo que alguém se faça explodir no metro, na fila atrás de si para comprar bilhete, que varra a esplanada a tiros de espingarda automática. E cresce o ódio, surdo ou mais loquaz, que se espalha nas redes sociais, que encontra porta-vozes nos discursos dos políticos que não hesitam em dizer “estamos em nossa casa”, expulsando por actos e palavras os outros, os que se sentem cada vez excluídos. Pelos olhares de receio, de desconfiança — de ódio. “Tu não és francês. Tu és imigrante, o que é que estás aqui a fazer?”
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Como reagir? Há os que têm medo do outro, têm medo que alguém se faça explodir no metro, na fila atrás de si para comprar bilhete, que varra a esplanada a tiros de espingarda automática. E cresce o ódio, surdo ou mais loquaz, que se espalha nas redes sociais, que encontra porta-vozes nos discursos dos políticos que não hesitam em dizer “estamos em nossa casa”, expulsando por actos e palavras os outros, os que se sentem cada vez excluídos. Pelos olhares de receio, de desconfiança — de ódio. “Tu não és francês. Tu és imigrante, o que é que estás aqui a fazer?”
Os atentados terroristas de 13 de Novembro, há um ano em Paris, marcaram uma nova escala do horror na Europa, ainda mais que os de Janeiro, contra o Charlie Hebdo. Espalharam mesmo o sentimento de que se pode ser um alvo em qualquer lugar, a qualquer altura. “A França está em guerra”, afirmou no dia seguinte o Presidente François Hollande, declarando o estado de emergência.
Uma situação excepcional da qual nunca mais o país conseguiu emergir — continuou sempre a haver atentados, embora o pico do horror tenha sido atingido em Nice, já este ano, no dia do feriado nacional, 14 de Julho, quando foi usado um camião para esmagar pessoas no Passeios dos Ingleses. Tinham estado a ver o fogo-de-artifício.
“Haverá sempre mais atentados, sempre mais vítimas inocentes”, avisou o primeiro-ministro Manuel Valls, numa entrevista à rádio Europe 1. “O que precisamos é de unidade, mais do que nunca, porque entrámos numa nova era, deixámos o tempo sem preocupações para trás”, escreve o governante, num artigo publicado neste sábado no Guardian britânico.
“A ameaça é pesada e permanente. É tanto interna como externa, ignora as fronteiras. Há indivíduos — alguns deles ainda menores — que foram radicalizados e recrutados para combater — que regressaram do Iraque e da Síria e estão prontos a agir”, afirma Valls. “Cerca de 1700 franceses juntaram-se aos jihadistas no Levante; 700 ainda estão lá”, avisa o primeiro-ministro, que faz um apelo à aprovação das medidas que a União Europeia foi criando durante este último ano para “controlar os fluxos” de viajantes e migrantes no espaço Schengen. “Mais do que nunca, os europeus têm de tomar conta de si próprios.”
A investigação sobre os atentados — os de Paris e os de Março em Bruxelas estão ligados — veio a revelar muitas insuficiências e disfuncionalidades do sistema de combate ao terrorismo. França tentou remediá-las impondo o estado de emergência, já prolongado até 2017. A polícia francesa criou uma base de dados com os nomes de 15 mil pessoas que estão sob vigilância, sob suspeita de terem ligações a movimentos radicais islâmicos, e entre estas pessoas, há 2000 menores, diz o Le Monde. A Unidade de Coordenação da Luta Antiterrorismo mantém também uma atenção especial sobre as actividades dos cerca de 700 franceses que estarão com o Estado Islâmico na Síria e no Iraque.
"Islão de França"
Os atentados em solo francês, cometidos por jovens franceses — imigrantes de segunda, terceira, quarta ou quinta geração —, levaram os governantes a enfrentar a questão da qualidade da integração, dos mecanismos da radicalização. As respostas têm passado mais pela educação, com a tentativa de inculcar um sentimento de orgulho por ser francês, e o sonho de criar aquilo a que os governantes chamam “um islão de França”, pelo qual Nicolas Sarkozy muito batalhou.
Para isso, houve um reforço do investimento para ensinar os valores da República nos bancos da escola, e tentar prestar mais atenção a uma população que é mais jovem que a média francesa: entre os franceses que têm 15 a 25 anos, representam 10%.
Noutras áreas, no entanto, tem havido mais confronto do que uma tentativa de ir ao encontro dos cerca de cinco milhões de muçulmanos franceses, segundo um estudo publicado em Setembro pela Fundação Montaigne — não há estatísticas oficiais, porque em França não se recolhem estatísticas sobre a origem étnica ou religiosa das populações. Veja-se a polémica do burkini, que incendiou França no Verão, com a polícia nas praias francesas a obrigar a despirem-se mulheres muçulmanas que usavam o fato de banho que cobre demasiado. Eram multadas por “usarem vestuário que não respeita a moral e a laicidade”.
O que parecia um fait-divers de Agosto transformou-se numa polémica que deu a volta ao mundo, com os políticos franceses engalfinhados com declarações bombásticas em torno do terrorismo e da ocupação do espaço público pelo terrorismo por radicais islâmicos, reclamando as praias para o fantasma de Brigitte Bardot em biquíni. As críticas choveram sobre Paris.
Esta polémica toca num ponto essencial, que tem a ver com um dos factores que tem feito de França o alvo favorito dos jihadistas na Europa. A laicidade, que no espírito da lei significa que a proibição da ostentação de símbolos religiosos em público, para que cada um possa ter liberdade religiosa, sem que o Estado imponha religião alguma, tem-se nos anos transformado numa forma de limitar a expressão do islão. A lei de 2004 que proíbe o uso de símbolos e roupa com conotações religiosas das escolas e baniu o véu total em 2011 é a mesma que foi usada para tentar interditar o uso do burkini.
O estudo Montaigne concluiu que 28% dos muçulmanos franceses aderem a um Islão de afirmação, classificável como “fundamentalista”, em reacção contra a “laicidade” da sociedade em que estão inseridos.
Medo dos migrantes
O crescimento do partido de extrema-direita Frente Nacional, liderado por Marine Le Pen, fez-se em grande parte à custa do discurso anti-imigração e anti-islão. A palavra de ordem “estamos em nossa casa” é ouvida nos comícios de Le Pen, quando fala sobre os imigrantes, que acusa de criar insegurança, de roubar empregos, e não deixa de causar um arrepio.
Alguns dos participantes nos atentados de Paris aproveitaram-se do caos da crise dos refugiados para entrar na Europa. Um estudo publicado esta semana pela revista Sentinel, do Centro de Análise do Terrorismo, um think-tank europeu, revela que os serviços de informações húngaros detectaram a entrada no espaço Schengen do belga Abdelhamid Abaaoud, futuro coordenador dos atentados de Novembro, em Agosto de 2015. Até agora não se sabia como tinha entrado na Europa o terrorista que foi abatido pela polícia dias depois dos ataques.
No entanto, não há um risco alargado de se infiltrarem terroristas entre os refugiados — todos os especialistas dizem isso. Quem repete o argumento contrário são políticos populistas de vários países, para defender uma abordagem exclusivamente securitária para lidar com as sucessivas vagas de pessoas que fogem da guerra.
“Não há provas concretas até ao presente de que terroristas usem sistematicamente o fluxo de refugiados para entrar na Europa sem serem notados”, diz o mais recente relatório da Europol sobre a situação do terrorismo na União Europa. O verdadeiro perigo, sublinha esta agência, “e que provavelmente continuará a existir durante muito tempo, é o potencial para elementos da diáspora síria [muçulmanos sírios] se tornarem vulneráveis à radicalização uma vez na Europa, tornando-se alvos de recrutadores extremistas islâmicos.”
Principais atentados em França
11 Janeiro 2015, Paris
Os irmãos Said e Chérif Kouachi, ligados ao ramo da Al-Qaeda no Iémen, mataram 12 pessoas no ataque à redacção do semanário satírico Charlie Hebdo. No dia seguinte, foram ajudados por outro atirador, Amedy Coulibaly, que fez reféns num supermercado kosher. Matou quatro pessoas e foi morto pela polícia. Todos os atiradores eram franceses.
13 Novembro 2015, Paris
Uma série de ataques coordenados em Paris mataram 130 pessoas nesta noite: na casa de espectáculos Bataclan, onde decorria um concerto ao vivo, nas esplanadas de cafés e restaurantes numa zona de animação nocturna, junto ao Estádio de França, onde havia um jogo a que assistia o Presidente François Hollande. Foi decretado estado de emergência, após este atentado múltiplo, reivindicado pelo Estado Islâmico, com a justificação de que “a França está em guerra”. Este estado de excepção tem sido renovado sucessivamente.
22 Março 2016, Bruxelas (Bélgica)
Ataques à bomba no Aeroporto e no Metro de Bruxelas mataram 32 pessoas e feriram 250 e foram reivindicados pelo Estado Islâmico. Apesar de ser noutro país, este atentado é colocado nesta lista porque a investigação revelou que foi posto em prática pela mesma célula que desencadeou os ataques de Novembro em Paris. A maioria dos atacantes eram belgas, embora com facilidade de movimento entre um país e outro.
14 Julho de 2016, Nice
Morreram 84 pessoas esmagadas por um camião que avançou sobre a multidão concentrada no Passeio dos Ingleses, em Nice, para ver o fogo-de-artifício na noite do feriado nacional do Dia da Bastilha. O massacre, autoria de um francês recentemente radicalizado, foi reivindicado pelo Estado Islâmico.