Europeus querem saber se Trump ainda acha a NATO "obsoleta"

Candidato republicano disse que aliados teriam de pagar mais pela sua segurança e que sem isso poderia não ir em sua defesa. Chefes da diplomacia da UE reúnem-se domingo em Bruxelas.

Fotogaleria
Aviões portugueses e canadianos em manobras no Báltico em 2014 INTS KALNINS/REUTERS
Fotogaleria
Os líderes europeus na última cimeira da NATO, em Varsóvia Kacper Pempel/Reuters

A eleição de Donald Trump varreu as capitais europeias como uma brisa gelada, espalhando descrença e angústia – irá o Presidente eleito cumprir a retórica do candidato? Vai desinvestir na segurança dos aliados e permitir que a Rússia teste até onde pode refazer a sua esfera de influência? Vai quebrar consensos que alicerçam décadas de parceria? Conscientes de que nem tudo pode mudar e admitindo que pouco ficará como antes, os líderes europeus pedem a Trump que esclareça as suas reais intenções em relação ao continente, a começar pela NATO – a aliança a que chamou “obsoleta”.

“O compromisso dos Estados Unidos com a NATO e com a defesa colectiva da Europa é inabalável há 70 anos e estou  confiante de que assim continuará a ser”, disse o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, logo após a vitória de Trump, sublinhando que uma Aliança forte “é importante para a Europa, mas também muito importante para os EUA”.

Tivesse sido outro candidato a vencer a corrida e Stoltenberg não teria precisado de o dizer – a garantia é repetida por todos os presidente americanos desde 1949, mesmo nos piores momentos das relações transatlânticas. Mas nos últimos meses Trump disse sobre a Aliança Atlântica o que nenhum outro político dissera. Em Abril afirmou que “não estava preparada para enfrentar os desafios actuais”, como as migrações ou o terrorismo. Num encontro com apoiantes disse que se a NATO “se dissolvesse não seria a pior coisa do mundo”. Em Setembro, declarou-se “chateado” por muitos dos 28 Estados-membros “não estarem a pagar a sua quota-parte”. E, em entrevista ao New York Times disse que se os aliados não começassem a contribuir mais estava “absolutamente preparado” para lhes dizer: “Parabéns, agora defendam-se a vós próprios.”

É antiga a pressão americana para que os europeus cumpram a obrigação de gastarem 2% do seu PIB em defesa – apenas outros quatro países o fazem, o que acentua a desigualdade entre aliados, com os EUA a financiar em mais de 70% a defesa da Europa. “Mas Trump é o primeiro líder americano a não dizer que há uma garantia de defesa, ou que os EUA não vão cumprir as suas obrigações”, disse ao Wall Street Journal Jonathan Eyal, director do Royal United Services Institute de Londres.

A hipótese de não sair em defesa dos aliados gerou calafrios nos países bálticos e na Polónia, para quem a NATO é o garante contra hipotéticas agressões russas e onde a Aliança se prepara para instalar forças permanente depois de Moscovo ter anexado, em 2014, a Crimeia. Um medo agravado pelas sugestões do candidato republicano de que pretende um relacionamento mais cordial com Moscovo, o que os governos de Leste receiam seja feita à custa da sua segurança – na campanha, Trump desvalorizou a anexação da Crimeia, e Newt Gingrich, candidato ao cargo de secretário de Estado, disse em Julho não ter a certeza de que os EUA “deveriam arriscar uma guerra nuclear” para defender os aliados do Leste.

Desde terça-feira, os embaixadores americanos têm insistido junto das capitais europeias que os pilares da política externa de Washington não serão abalados pelos “soundbytes” da campanha e os analistas sublinham que Trump terá de governar com o aval do Partido Republicano, onde o compromisso com a NATO é inabalável.

Mas os líderes europeus querem garantias. “Precisamos de saber quais são as suas intenções sobre a NATO”, afirmou quarta-feira o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker. Jürgen Hardt, coordenador do governo alemão para as relações transatlânticas, acrescentou que Berlim espera clarificações: “Estamos determinados a avaliar o Presidente eleito com base nas suas palavras e feitos após o dia da eleição”.

No domingo, os chefes da diplomacia europeia reúnem-se em Bruxelas ao jantar para discutir “o futuro das relações com os EUA”. No dia seguinte juntam-se aos ministros da Defesa para debater a política de segurança e defesa da UE – na mesa estará o projecto de criar um quartel-general para comandar operações em que a NATO não queira ou não possa participar. Uma ideia antiga a que o Reino Unido e outros atlantistas sempre se opuseram, temendo que enfraquecesse a Aliança. Mas depois do “Brexit” e perante a ameaça de desinteresse norte-americano vários países estão a deixar cair resistências à ideia de criar mecanismos comuns de defesa. As eleições americanas, explicou a eurodeputada holandesa Marietje Schaake ao site Politico, “mostraram que não nos podemos dar ao luxo de continuar a adiar esta cooperação”. 

Sugerir correcção
Ler 40 comentários