Este sábado, uma hora de Sting para reabrir o Bataclan e "fazer barulho"
Um ano depois dos atentados de Paris, sobreviventes e famílias de vítimas querem resgatar a sala de concertos. "Tínhamos de continuar depois de tal horror, e não deixar um mausoléu, um túmulo", disse um dos donos da sala.
Será um sábado à noite solenemente especial em Paris – na véspera do primeiro aniversário dos atentados que causaram a morte a 130 pessoas, Sting sobe ao palco do Bataclan, a sala onde morreu o maior número de vítimas dos ataques do Estado Islâmico de 13 de Novembro de 2015. É um nome transgeracional que reabre a histórica sala de concertos numa noite esgotada que quer “fazer o máximo de barulho”, diz Jérôme Langlet, um dos donos da sala. Muitos dos sobreviventes da noite de 13 de Novembro de 2015 estarão na audiência.
Sting regressa ao Bataclan quase um ano depois dos atentados durante o concerto dos norte-americanos Eagles of Death Metal e 37 anos depois da sua última actuação na sala parisiense. O concerto beneficente do britânico, que começa às 21h (20h em Lisboa), terá uma hora – o mesmo tempo que demoraram a esgotar os bilhetes para o evento, cujas receitas revertem para a Life for Paris e para a 13 Novembre: Fraternité Verité, as duas associações que apoiam as famílias das vítimas e os sobreviventes dos ataques.
Uma noite que será tanto de homenagem quanto de prova de resiliência, mas sobretudo de música, dizem os responsáveis da sala, que nos próximos dias receberão Marianne Faithfull, Youssou N'Dour e Pete Doherty – os portugueses Resistência tocarão também no Bataclan a 29 de Janeiro de 2017, no âmbito de um festival.
“É importante que [o Bataclan] reabra, continua a ser um espaço de concertos depois do que se passou. É preciso reencontrar a normalidade”, disse Sting ao diário Le Parisien. Parte da capacidade máxima da sala, de 1497 pessoas, será ocupada por convidados cujas vidas foram afectadas pelo ataque, na presença da secretária de Estado francesa Juliette Méadel, responsável pela pasta do auxílio às vítimas do 13 de Novembro. Psicólogos estarão também de serviço na sala para apoiar quem necessitar. Mas "tínhamos de continuar depois de tal horror, e não deixar um mausoléu, um túmulo" no lugar da histórica sala de espectáculos, disse à AFP Jules Frutos, um dos responsável pela exploração da sala e aquele que telefonou a Sting para o convidar a regressar ao espaço onde actuou com os Police.
O fim-de-semana de 12 e 13 de Novembro está a servir para assinalar, num tom solene mas sem grande pompa, o aniversário de um dos mais graves atentados de sempre em França e de um ataque particularmente mediático. O Bataclan foi o chamado “soft target” (por não estar conotado com qualquer instituição governamental ou militar) com maior visibilidade, a que se juntaram vários ataques em esplanadas e restaurantes parisienses e a tentativa de ataque ao Stade de France. A banda Eagles of Death Metal subia ao palco numa noite de sexta-feira em Paris e de repente, entre tiros e bombistas suicidas, dezenas de imagens começaram a sair via telemóvel, juntamente com relatos de sobreviventes, de feridos e vizinhos ou transeuntes que davam conta de um “Inferno de Dante”. No total, 90 pessoas morreram na sala de espectáculos.
O Bataclan fechou então e só agora, depois de profundas obras de reabilitação – a revista Billboard descrevia em Abril que o palco foi uma das zonas que mais atenções exigiu, pelo facto de um dos atacantes lá se ter feito explodir –, reabre para este tributo. Volta a fechar amanhã, domingo, e só na próxima quarta-feira, dia 16, retoma a sua actividade com programação comercial. Das cadeiras às tábuas do chão, das telhas à tinta, todos os interiores foram substituídos por novos materiais, mas o aspecto manteve-se – houve elementos que tiveram de ser alterados pelos danos sofridos no 13 de Novembro, mas os donos quiseram “mudar tudo para que nada restasse daquela noite terrível”, tendo sido gastos “vários milhões de euros” para recuperar o edifício, disse Jérôme Langlet, da Lagardere Live Entertainment, proprietária do espaço.
Construído em 1864, em pleno domínio de Napoleão, e baptizado em honra de uma opereta homófona de Jacques Offenbach, o Bataclan recebeu Colette ou Maurice Chevalier no princípio do século XX. Edith Piaf cantou no Bataclan. Um incêndio fechou-o em 1933 e, depois, já reaberto como sala de cinema, voltaria a encerrar em 1969, mas é na década de 1970 que recupera pujança com o rock e o punk de vários nomes - Lou Reed, The Clash, Genesis… - e, mais tarde, com os Cure, Jeff Buckley, Motörheard ou uma noite mítica com Prince que só terminou às 7h da manhã.
Nas obras, cujo decorrer os sobreviventes e familiares das vítimas visitaram há alguns meses, a segurança, claro, foi reforçada. Não é só uma resposta às recomendações e ao guia de boas práticas que o Governo francês emitiu logo após os atentados. Há câmaras no exterior, “as blindagens das portas e vidros foram refeitas”, disse Jules Frutos ao jornal belga Tribune de Genève. O concerto desta noite estará rodeado de amplas medidas de segurança, escrevem a imprensa francesa e as agências internacionais. Será transmitido em França horas depois, na France 2, e nos países, como Portugal, onde o canal de cabo France24 está presente.
Os Eagles of Death Metal chegaram a dizer querer ser a primeira banda a tocar no Bataclan depois da reabertura, mas voltaram entretanto a Paris para actuar e viram-se envoltos em polémica pelas declarações do seu vocalista, Jesse Hughes, que pediu já desculpas por insinuar que os ataques poderiam ter tido a colaboração da segurança da sala.