Administração Trump e Trump Organization: dois mundos em conflito?

Dono de um império económico e, agora, Presidente dos Estados Unidos: ao acumular os dois chapéus, Donald Trump expõe-se a um conflito de interesses de uma magnitude sem precedentes na história política americana.

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Edifício do hotel Trump de Las Vegas David Becker / Reuters

Como empresário, o Presidente republicano eleito terça-feira fez fortuna ao edificar uma vasta rede de hotéis e de empreendimentos de luxo à frente da Trump Organization, a holding que engloba as suas actividades e cujas ramificações continuam envoltas em mistério.

Aliados e parceiros

Segundo as informações públicas, esse império imobiliário está sobretudo localizado nos EUA, mas estende-se também a países aliados (Coreia do Sul, Turquia,…) com os quais a Administração Trump deverá continuar a manter laços diplomáticos, correndo o risco de alimentar uma curiosa mistura de géneros.

A conexão russa

Como a Trump Organization não está cotada na bolsa, muitas das suas numerosas actividades permanecem na sombra e os media americanos fizeram notícia dos laços financeiros estreitos com aliados do Presidente russo, Vladimir Putin, o qual foi elogiado pelo magnata do imobiliário durante a sua campanha. “Que fique claro: tenho interesse financeiro zero na Rússia”, respondeu Trump, em Julho.

Deutsche Bank

As zonas cinzentas estão longe de se limitarem à Rússia. Segundo o Wall Street Journal, o milionário nova-iorquino terá recebido, em 1998, cerca de 2,5 mil milhões de dólares de empréstimos do Deutsche Bank para financiar as suas actividades económicas. O banco alemão, investigado pelos EUA pelo seu papel durante a crise financeira de 2008, será alvo brevemente de uma multa muito pesada cujo montante está ainda a ser debatido em Washington. Se herdar esse dossier, a Administração Trump irá decidir ter uma mão menos pesada tendo em conta os interesses do Presidente?

Caso sem precedentes

As acusações de conflitos de interesse não são inéditas nos EUA. Também foram levantadas durante a Administração de George W. Bush, na qual o vice-Presidente, Dick Cheney, presidia até à sua nomeação em 2000 o grupo petrolífero Halliburton, que ganhou contratos apetecíveis no Iraque após a invasão americana de 2003.

Mas o caso de Trump, cujo nome está indissociavelmente ligado ao seu império económico, atinge outra dimensão. “Não há precedentes na História dos EUA, sobretudo porque não são conhecidas as dimensões ou a natureza das suas relações financeiras”, diz à AFP a professora de Direito da Universidade de Washington, Kathleen Clark.

Esta especialista em questões éticas nomeia um facto particularmente preocupante para este empresário que financiou a sua expansão através da dívida. “Não sabemos a quem é que ele deve dinheiro e dever dinheiro é um laço financeiro bem mais significativo do que um investimento”, sublinha.

O que diz a lei

Até ao momento, Donald Trump pouco falou sobre estes potenciais conflitos de interesse, não porque ninguém imaginasse realmente que ele pudesse chegar à Sala Oval, mas porque a lei americana é muito flexível quanto à matéria. À luz da legislação, o Presidente e o vice-Presidente podem conjugar os seus mandatos com as suas actividades económicas, apesar de as obrigações para os membros não eleitos do executivo serem bem mais pesadas.

A Constituição proíbe a todos os responsáveis políticos de aceitarem o mínimo “pagamento” de uma potência estrangeira, mas essa disposição não impede ninguém de entrar em negócios com parceiros privados externos.

A solução de Trump

Durante a campanha, Trump prometeu confiar as suas actividades a um blind trust, uma estrutura financeira independente que o impede de todos os direitos de supervisão sobre o seu grupo.

Porém, o magnata depressa acrescentou que essa sociedade empresarial será na realidade controlada por três dos seus filhos, que já desempenham funções de vice-presidente da Trump Organization.

Bastará isso para manter Donald Trump realmente afastado do seu império? “Não discutimos essas coisas. Como sabem, este é um trabalho a tempo inteiro.  Ele não tem de se preocupar com a sua empresa”, garantia em Setembro um dos seus filhos, Donald Jr.

Um outro dirigente optou pela mesma estratégia: depois da sua primeira eleição em 1994 à frente do Governo italiano, Silvio Berlusconi confiou a direcção do seu império audiovisual aos membros da sua família, sem no entanto evitar as suspeitas de conflito de interesses.

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