Integração de refugiados: há falhas no ensino de Português
Para pessoas que perderam tudo e tentam reunir a família, ter um trabalho seria essencial para a integração. Mas antes disso, têm de aprender a língua.
Com os mais de 700 refugiados acolhidos no último ano, Portugal está entre os países que mais pessoas receberam através do Programa de Recolocação da União Europeia (UE) formalmente iniciado em Setembro de 2015. A disponibilidade do Estado e da sociedade civil tem sido reconhecida e elogiada por governos e instituições internacionais. Mas os especialistas que se congratulam pela abertura no acolhimento também lamentam as falhas na inserção. Lembram que muitas pessoas chegaram sozinhas e sem documentos, contudo, consideram, isso não significa que os seus conhecimentos e competências não possam ser valorizados.
A primeira falha identificada, e da qual depende muito do que virá a seguir, é o ensino do Português. “A resposta estatal — ao nível do ensino do Português — não corresponde ao ritmo de chegadas dos refugiados”, diz Lisa Matos, especialista em acolhimento, que trabalhou até recentemente no Serviço Jesuíta de Apoio aos Refugiados.
Em segundo lugar aparece a falta de experiência em lidar com pessoas com passados tão traumatizantes e diversos. E, por fim, a dispersão por mais de 70 concelhos do país, o que impede respostas especializadas e orientadas para as fragilidades muito diversas e específicas dos refugiados: “Portugal tem tido uma resposta muito rápida de disponibilização de acolhimento. E tivemos uma resposta muito positiva da sociedade civil, por exemplo, através da Plataforma de Apoio aos Refugiados [PAR]. Mas continuamos a ter um problema e esse é a falta de experiência no trabalho com estas populações”, nota.
“Por outro lado, um acolhimento disperso cria uma situação de isolamento dos refugiados. Concordo em que se faça um acolhimento descentralizado, mas esta é uma população muito fragilizada que precisa de serviços especializados” que apenas podem ser oferecidos em rede.
“O ensino do Português é o que tem falhado”, considera também Cristina Santinho, professora e investigadora do ISCTE-IUL, doutorada em Antropologia, e investigadora do CRIA — Centro em Rede de Investigação em Antropologia.
“O Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) não tem tido capacidade para organizar turmas orientadas para pessoas tão diversas, não tem conseguido criar isso com a celeridade necessária”, acrescenta. Nenhum dos especialistas ouvidos pelo PÚBLICO teve conhecimento, até agora, da existência de um curso específico, quase um ano depois da chegada dos primeiros grupos de refugiados da Grécia e Itália, antes do Natal do ano passado.
Rui Marques, coordenador da PAR, concorda que “a resposta do IEFP tem sido lenta por um conjunto de limitações burocráticas”. Estando os mais de 700 refugiados distribuídos por dezenas de concelhos do país, “é preciso adaptar o modelo a esta distribuição”. Mas as respostas surgem da comunidade. “As instituições anfitriãs organizam cursos de Português através da acção de voluntários, para de imediato se iniciar o ensino da língua. É oferecido um conjunto de manuais escolares de Português”, exemplifica. “Quando a instituição não tem condições para o fazer, mobilizam-se outras organizações. É o que acontece com as instituições da PAR.”
“O modelo do ensino do português do IEFP precisa de um número de alunos elevado. É essa a regra no IEFP. E esse modelo tem de adequar-se ao perfil de distribuição dos refugiados”, reconhece. “Essa questão tem que ser vista, mas isso não quer dizer que nada esteja a ser feito. Não devemos desvalorizar a aprendizagem informal. Não é irregular, nem desorganizada. A primeira coisa é que estas pessoas consigam comunicar. Às vezes há cursos organizados para duas pessoas. Nesse sentido, é um luxo.”
O ensino do Português para estes públicos é tarefa do IEFP e da Direcção Geral de Educação, confirma o gabinete do ministro-adjunto do primeiro-ministro Eduardo Cabrita, responsável pelo acolhimento e integração. Contudo, faz saber, “a aprendizagem da língua portuguesa não obedece a um modelo pré-estabelecido, mas sim às ferramentas e meios que melhor oferecem condições para esta aprendizagem” fazendo-se o ensino “através de voluntários” por ser, nalgumas situações “a [forma] mais adequada a determinadas contextos, em particular quando o modelo descentralizado de acolhimento não permite a constituição de turmas”. Já o IEFP – sem dar números – diz que no Algarve e no Alentejo, foram integrados refugiados nos cursos criados há 16 anos para os imigrantes, designados por “Português para Todos”.
Existem casos de sucesso, reconhece Diaby Abdourahamane, presidente da Associação dos Refugiados em Portugal, de pessoas que aprenderam a língua e estão a trabalhar. Mas é uma pequena minoria.
Falta de documentação
A falta de documentação é um problema transversal, nota Cristina Santinho. As situações de depressão prevalecem nesta população, acrescenta Lisa Matos. “É uma população que está em sobrevivência e que tenta chegar a bom porto. São pessoas em situação de grande incerteza, que não traçaram esta opção — de Portugal — no seu trajecto de fuga.”
A especificidade das experiências passadas e presentes, muitas delas traumáticas, são difíceis de transmitir a quem não passou por elas, diz Diaby Abdourahmane. “Estas pessoas saíram dos seus países. Muitos estão sem trabalho. Alguns têm os filhos doentes e não têm acesso à medicação”, acrescenta.
Sejam entre aqueles que chegaram de forma espontânea há mais de dez anos, e pediram asilo, ou entre os que chegaram mais recentemente “muitos continuam a pedir apoios para viver e isto é inquietante”.