Quantas décadas teremos regredido esta noite? Quantas batalhas ganhas em anos volvidos terão sido degoladas em apenas uma votação? Ao longo das várias horas passadas de olhos postos na televisão a assistir a um mar vermelho que se espalhava pelo mapa americano tentava-se preparar o corpo para o choque. A cada estado chave absorvido pelo partido republicano, a esperança esmorecia e as possíveis respostas que nos permitissem enfrentar a surpresa que nenhuma sondagem, nenhum especialista político pôde prever ao longo do último ano, desaparecia.
Enquanto os mercados começaram a cair, as lágrimas corriam no rosto dos americanos, trocando olhares incrédulos entre as pessoas que permaneciam na sala, numa tentativa de entender este momento histórico para os Estados Unidos e para o mundo. O irreal tornou-se realidade no dia em que se assinala o 27º aniversário da queda do muro de Berlim.
Hoje quando acordarem Donald Trump terá sido eleito presidente dos EUA. Questões cruciais relativos à saúde, à justiça, ao ambiente, à posse de armas, aos problemas raciais, às relações internacionais, à democracia colocam-se hoje em causa, nesta transição radical. É um tsunami político com repercussões globais. Aprendemos mais nesta campanha sobre os defeitos dos candidatos do que sobre os seus planos políticos para o futuro da América e restantes países. Mas aprendemos durante estes quase dois anos de campanha que a Donald Trump falta a ponderação e o respeito necessários ao líder de um dos países mais poderosos do mundo. E há uma responsabilidade tremenda nisto, que a América envolta na sua bolha só conseguirá avaliar no futuro.
É, contudo, necessário parar e reflectir. Colocou-se um barco em águas nunca antes navegadas e é preciso perguntar: Que futuro ambiciona esta maioria seguir? Há algo tão profundo a acontecer na América que não seremos capazes de perceber as causas esta noite.
Quando o relógio bateu as três horas da manhã e Donald Trump realizou orgulhosamente o seu discurso de vitória, poucos americanos restavam na sala. A maioria partiu frustrada, quebrada pelos resultados dos seus próprios estados.
“É o fim da democracia na América.”, ecoou uma voz entre o silêncio da madrugada. A América acordará republicana e nenhum arrependimento existente poderá fazer o tempo recuar. Donald Trump tornou-se hoje no 45º Presidente dos EUA. Dorme América, se conseguires. Mas isto não é um sonho. É realidade. E a realidade pode ser um pesadelo mais longo do que um sonho pode acarretar. Os únicos muros existentes estão dentro de nós e esses, sim, são difíceis de derrubar.