Ataque a Raqqa obriga Daesh a dispersar forças por duas frentes

Operação Fúria do Eufrates lançada na Síria, enquanto o avanço sobre Mossul, no Iraque, está ainda no início, é aposta para enfraquecer grupo jihadista. Impedir turcos de atacar curdos é uma das dificuldades.

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Combatente das Forças Democráticas da Síria, a Norte da cidade de Raqqa Rodi Said/REUTERS

Abrir uma nova frente de batalha para dispersar as forças do Daesh é o objectivo do anúncio do ataque a Raqqa, a capital síria do grupo jihadista, enquanto está ainda a começar o assalto a Mossul, a maior cidade que iraquiana que a formação radical sunita tinha em seu poder.

Mas a operação Fúria do Eufrates, anunciada domingo pelas Forças Democráticas da Síria (SDF), uma coligação que junta a guerrilha curda e rebeldes árabes sírios apoiados pelos Estados Unidos, com cerca de 30 mil combatentes, será longa e dura. “Tal como em Mossul, temos um trabalho muito difícil à nossa espera”, reconheceu o secretário norte-americano da Defesa, Ashton Carter. “Sempre dissemos que precisaríamos de meses para completar a fase de isolamento de Raqqa”, afirmou o chefe de estado-maior das Forças Armadas dos EUA Joseph Dunford.

“O [Daesh] defenderá o seu bastião, pois sabe que a perda de Raqqa significará o seu fim na Síria”, sublinhou, por sua vez, Talal Sello, porta-voz das SDF, citado pela AFP. Este é o momento mais crítico para o grupo ultra-radical, desde que autoproclamou um "Califado" – não reconhecido por nenhum país ou instância religiosa – em Junho de 2014. Está sob pressão em múltiplas frentes, e sobretudo nas duas maiores cidades que capturou, na Síria e no Iraque, e nos últimos meses perdeu vários dos seus bastiões.

Com Mossul cercada, o líder do grupo, Abu Bakr al-Baghdadi, divulgou uma gravação na semana passada, após quase um ano de silêncio, em que apela às suas forças para que resistam à ofensiva apoiada pelos EUA. “Esta guerra é vossa. Façam dia da noite escura dos infiéis, destruam as suas casas e façam correr o sangue deles como um rio”, declarou, citado pelo New York Times. Julga-se, no entanto, que terá fugido de Mossul.

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Extremistas do Estado Islâmico a desfilar em Raqqa, em Junho de 2014 REUTERS

Mas Raqqa é a cidade mais simbólica para o Daesh. É para lá que afluíram milhares de jihadistas estrangeiros, nomeadamente europeus, que ali se casaram e tiveram filhos. Onde há relatos de execuções terríveis e onde foram planeados os maiores atentados que atingiram a Europa, como os de Paris e Bruxelas. “Em Raqqa estão entrincheirados muitos combatentes estrangeiros, e não haverá possibilidade de retirar mulheres e crianças”, disse à AFP Romain Caillet, especialista em jihadismo.

No entanto, se o Daesh terá dificuldade em dar resposta em duas frentes, também não será uma operação fácil para a coligação internacional liderada pelos EUA. Não só pelas dificuldades militares, mas também pelos malabarismos necessários para manter todos os aliados em jogo, sem que se ataquem uns aos outros.

A Turquia, país da NATO, vizinha tanto do Iraque como da Síria, e com uma deriva autoritária cada vez grave, vê como inimigos os combatentes curdos que compõem quase dois terços das Forças Democráticas da Síria. As YPG (Unidades de Protecção do Povo) têm feito vários avanços na faixa de território que separa a fronteira com a Turquia de Raqqa, a começar, em Agosto, pela reconquista de Manbij. Esta é uma cidade estratégica na rota que os jihadistas usavam para se abastecer de armas e combatentes na Turquia.

O protagonismo desta força é um espinho na garganta da Turquia, que classifica o YPG como “grupo terrorista”. Mas as YPG são consideradas pela coligação internacional como a força mais capaz para lutar contra os jihadistas em território sírio e têm sido apoiadas no terreno por conselheiros militares americanos. Ancara receia que a ofensiva contra os jihadistas seja aproveitada pelos curdos para alargarem a área autónoma curda no Norte da Síria, denominada Rojava, estabelecendo uma continuidade territorial até ao Sudeste turco, onde a população é esmagadoramente curda.

Aliás, o pior pesadelo do Governo turco seria que os EUA reconhecessem a autonomia dos curdos na Síria. Os curdos, por seu lado, sonham com esse reconhecimento – e querem manter a Turquia afastada das ofensivas de Mossul e Raqqa, enquanto Ancara está desejosa de nelas participar. As SDF anunciaram ter feito um acordo com Washington para que os turcos sejam excluídos da operação. Embora os EUA assegurem que querem “falar com todos os aliados”. 

A vida no Estado Islâmico

 

 

 

 

 

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