Recuperar escultura com 250 anos “é possível”, mas obriga a “uma equipa multidisciplinar”
Restauro da peça derrubada no Museu de Arte Antiga é complexo, mas vai avançar mal esteja reunida a equipa técnica. É ainda cedo para saber se a sala onde estava exposta vai ser alterada para evitar futuros acidentes.
Paula Silva, directora-geral do Património, e um dos seus subdirectores, David Santos, estiveram reunidos nesta segunda-feira com a direcção do Museu Nacional de Arte Antiga para fazer uma avaliação mais aprofundada aos danos causados à escultura derrubada acidentalmente por um turista no domingo e para se inteirarem do sucedido. Ao mesmo tempo, Maria João Vilhena, conservadora de escultura, e as técnicas de restauro do museu analisavam ao pormenor a peça caída, um Arcanjo São Miguel da segunda metade do século XVIII, em madeira pintada e com quase dois metros de altura.
Só ao final da tarde foram tornados públicos, pelo menos em parte, os primeiros resultados destas reuniões que começaram logo de manhã. Um comunicado de quatro parágrafos, co-assinado pela Direcção-Geral do Património (DGPC) e pelo Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), explicou como caiu o anjo do seu pedestal e tornou claro que a recuperação desta escultura com mais de 250 anos “é possível”, mas obrigará à “constituição de uma equipa multidisciplinar”.
No mesmo documento, as duas entidades esclarecem que a peça em “madeira de zimbro, com olhos de vidro, dourada e policromada”, executada em Lisboa entre 1765 e 1790 por um autor desconhecido, caiu da estrutura em que se encontrava — “um plinto protegido em todo o perímetro por um estrado” — devido à “forte colisão de um visitante que, caminhando de costas, fotografava outra obra em exposição na mesma sala”.
Em consequência da queda, as asas do Arcanjo soltaram-se, assim como as plumas que servem de remate ao seu capacete militar, elementos que são encaixados. “Na análise física e macroscópica”, continua o comunicado, “registam-se fracturas, rupturas, descolamentos e perdas pontuais da camada de acabamento policromo [a superfície pintada], nomeadamente na asa esquerda, plumas, braço direito, dedo indicador direito, parte traseira e ponta do manto”.
Neste momento, a escultura danificada está nas reservas do MNAA, aguardando que a “equipa multidisciplinar”, que deverá envolver técnicos exteriores ao museu, seja criada para que a intervenção de restauro comece. O arranque dos trabalhos não tem ainda data marcada.
“É um restauro difícil, mas não é problemático do ponto de vista técnico”, disse esta segunda-feira de manhã ao PÚBLICO José Alberto Carvalho, director adjunto de Arte Antiga, acrescentando que a intervenção nesta peça vai ser feita na casa, tal como sucedera antes, na fase de preparação das galerias de pintura e escultura portuguesas do terceiro piso do museu, que reabriram em Julho inteiramente renovadas.
Referindo-se precisamente a estas galerias, o comunicado que o Ministério da Cultura (MC) fez chegar às redacções ainda no domingo à noite, tornava já claro que cabe agora à DGPC avaliar a necessidade de alterar a musealização da exposição inaugurada há três meses, “por forma a prevenir acidentes”. À agência Lusa, a assessora de imprensa do MC chegou mesmo a dizer que a direcção do museu pode vir a escolher outro lugar para expor a escultura barroca. O director adjunto do MNAA, por seu lado, afirmou que é ainda cedo para determinar se a disposição da sala precisa de ser alterada.
Dia “triste”
Os peritos ouvidos ao longo desta segunda-feira pelo PÚBLICO são unânimes em afirmar que acidentes como o do MNAA acontecem, mas que o número reduzido de vigilantes, situação comum a todos os museus afectos à DGPC, aumenta os riscos.
O alerta sobre as condições de segurança no Museu de Arte Antiga foi deixado pelo seu próprio director no Verão. Falando na Escola de Quadros do CDS-PP, num painel dedicado à cultura, António Filipe Pimentel lembrou que o museu trabalhava com uma equipa muito pequena para as necessidades que tem, em particular na área da guardaria (a equipa tem 64 pessoas, entre as quais pouco mais de 20 vigilantes para 84 salas abertas ao público). E o que então disse soa agora a premonição: “De certeza absoluta que um destes dias há uma calamidade no museu.”
Procurando distanciar-se da ligação que é feita de imediato por quem acompanha a área dos museus em Portugal entre o incidente do MNAA e as declarações de Pimentel em Setembro, que mais tarde viriam a levar o director a pedir desculpa ao ministro Luís Filipe Castro Mendes por carta, a assessora de imprensa da Cultura dissera logo no domingo que uma coisa “não tem nada a ver” com a outra.
Também no domingo, António Filipe Pimentel, através da rede social Facebook, lamentou o sucedido e reafirmou a sua confiança na equipa da casa, garantindo que, em breve, a peça será devolvida ao público. “Hoje foi um domingo triste. Um acidente tolo, por parte de um visitante, decerto encantado mas incauto, danificou uma escultura, cuja presença aérea e grácil (o Arcanjo São Miguel), na sua posição central — como estátua em pequena praça — como que coroava a sala dedicada ao Barroco na Galeria de Pintura e Escultura Portuguesas do MNAA”, escreveu o historiador de arte, para em seguida lembrar o projecto de reabertura do Piso 3, que permitiu renovar as galerias de pintura e escultura portuguesas, atendendo a “cada detalhe” e contando com o empenho de toda a equipa da casa e o apoio de mecenas que tornaram possível o restauro de mais de 100 peças, incluindo o Arcanjo São Miguel.
O PÚBLICO procurou saber quantos visitantes teve no domingo o museu e quantos vigilantes havia nas 13 salas do Piso 3, mas a assessora de comunicação do MNAA, Paula Brito Medori, adiantou apenas que, habitualmente, no primeiro domingo de cada mês, em que a entrada é gratuita, passam pelo museu entre 1500 e 2000 pessoas.