Arnaldo Antunes traz uma “visão do mundo atenta ao instante”
Cantor, compositor e poeta brasileiro lança ao vivo em Portugal um novo disco, Já É, onde inclui um dueto com Manuela Azevedo, dos Clã. Actua em Aveiro, Braga, Viseu e Lisboa, onde gravará um DVD.
Já é. ’Pera aí. Repara. Arnaldo Antunes joga as palavras, hoje como sempre, para nos dar através das canções e da poesia um reflexo do nosso quotidiano. Na capa do seu novo disco (que chega este mês às lojas e que ele vem lançar numa série de concertos) há apenas uma chávena de porcelana, vista de cima, com café dentro. Por cima, a branco, as palavras “já é”, que dão título ao disco. “É uma rima implícita: já é – café”, diz Arnaldo Antunes ao PÚBLICO. Mas também podia ser “já é manhã”, momento a que habitualmente associamos o café. A escolha é nossa, as canções são dele. Dele e de vários parceiros com quem trabalha há anos: Marisa Monte, Dadi Carvalho, Péricles Cavalcanti, Betão Aguiar, José Miguel Wisnik, Chico Salém, Ortton ou Márcia Xavier, uma artista de São Paulo que é hoje sua mulher (há três temas assinados pelos dois).
Desde que apresentou Ao Vivo no Estúdio (2007) na Gulbenkian, ao ar livre, em Julho de 2008, Arnaldo Antunes já gravou uma porção de outros discos: Iê iê iê (2009), Pequeno cidadão (para crianças, 2009), A Curva da Cintura (com Edgard Scandurra e Toumani Diabaté, 2011), Ao Vivo Lá Em Casa (2011), A_AA (Acústico MTV, 2012), Disco (2013) e Já É (2015), que só agora é lançado em Portugal. Com uma alteração: a faixa Naturalmente, naturalmente conta, só na edição portuguesa, com a participação de Manuela Azevedo.
Um disco escrito entre viagens
“Fiz alguns registos ao vivo com pouco intervalo de tempo entre eles. Aí, parei um pouco e fiz dois discos de estúdio, Disco e Já É.” Este último nasceu entre viagens. “Eu percebi que componho muito durante as férias. Porque eu entrava num estado de disponibilidade emocional e mental que era muito propício à criação. Era quando eu tinha tempo para ficar tocando, lendo, escrevendo as minhas coisas, era quando a cabeça está livre.” Mas essas férias eram quase sempre de um mês em cada ano. “Desta vez, como estava com planos para entrar em estúdio para gravar um novo disco, resolvi tirar umas férias mais longas, coisa que eu nunca tinha feito, um período sabático de cinco meses, e aí fiz algumas viagens: Nova Iorque, Índia, Roma, viajei bastante.” A maioria das músicas do novo disco, diz Arnaldo, acabaram por ser compostas nesse período.
“Este disco acaba tendo um eixo temático, com vários recados que de certa forma compõem uma unidade. Numa música, diz ‘põe fé que já é’; noutra, ‘pera aí, repara’; na outra, ‘onde está meu lugar’; outra, ‘se você nadar até a outra margem vai olhar além dessa miragem’… Enfim, são músicas que acabam se complementando, criando uma visão do mundo atenta ao instante, a negação de insensibilidade.” São recados para o universo em geral? Ou em particular para o Brasil? Arnaldo diz: “É universal, mas a maneira de expressar é inevitavelmente muito própria do Brasil e da minha geração.”
Brasil e "briga pelo poder"
Num dos temas do disco, Óbitos (parceria com Péricles Cavalcanti), ouve-se isto: “Eles não pegam em armas/ Só em canetas e papéis/ Mas matam mais com suas leis/ Que atiradores cruéis.” É a responsabilidade pelos crimes devolvida aos decisores. “Eu já tinha essa ideia”, diz Arnaldo, “e já tinha rabiscado alguma coisa. Aí, quando veio a música do Péricles, um reggae muito básico, me deu vontade de fazer uma letra com a mesma contundência de discurso dos reggaes do Bob Marley.” Na crise do Brasil, Arnaldo também viu um “golpe”. “Vi tudo isto com muita tristeza. Primeiro: há um desencanto com a política de um modo geral; segundo, a gente viveu mesmo um golpe no sentido mais literal da palavra. Por mais que a Dilma tenha cometido erros, não havia uma base legal para que esse impeachment se desse. É uma questão complexa, que envolve várias coisas. Mas a gente tem o perfil de congresso mais reaccionário que eu já vi em toda a minha vida, com as pessoas só agindo em interesse próprio, em briga pelo poder, uma coisa muito feia. Ninguém está pensando no futuro da população do Brasil.”
Em Portugal, Arnaldo Antunes vai apresentar ao vivo Já É em cinco concertos. Em Aveiro (Teatro Aveirense, dia 9, 21h30), Braga (Theatro Circo, dia 10, 21h30), Viseu (Teatro Viriato, dia 11, 21h30) e em Lisboa, no Teatro São Luiz (dias 12 e 13, às 21h). Os espectáculos do São Luiz serão gravados para a edição futura do um DVD e contam, de Portugal, com três convidados especiais: Carminho, Manuela Azevedo e Hélder Gonçalves, dos Clã.