Presidente sul-africano sob pressão perante novas acusações de corrupção
Um relatório divulgado esta quarta-feira aponta para uma relação ilícita entre uma família de magnatas e Jacob Zuma, com este a dar-lhe acesso, por exemplo, a intromissões directas na escolha de cargos ministeriais.
É um relatório com revelações potencialmente explosivas para o Presidente sul-africano, Jacob Zuma. Não surpreende, portanto, que Zuma tenha tentado impedir a sua publicação. Perante a pressão crescente, porém, os seus advogados retiraram esta quarta-feira o requerimento interposto para que o documento de 353 páginas não viesse a público. O relatório centra-se na relação entre Jacob Zuma e os irmãos Gupta, imigrantes indianos que, a partir da sua chegada ao país, em 1993, construíram na África do Sul um império que se estende dos media e da tecnologia às companhias de aviação e à extracção de minério. A oposição a Zuma e ao seu partido, o ANC, criou até a alcunha “Zuptas”, em referência à forma como, dizem, os Gupta exercem a sua influência sobre o Presidente e, consequentemente, sobre a sua gestão do país.
No relatório, o vice-ministro das Finanças Mcebisi Jonas afirma que, o ano passado, Ajay Gupta lhe terá oferecido 600 milhões de rands (cerca de 40 milhões de euros) caso este aceitasse o posto que actualmente ocupa. O filho do Presidente, Duduzane Zuma, que dirige algumas das empresas dos Gupta, estaria também presente na reunião. Segundo Jonas, o objectivo seria que, assim que assumisse a posição, removesse alguns funcionários de cargos chave no Tesouro, de forma a beneficiar as “ambições empresariais” dos Gupta, refere a BBC. Mcebisi Jonas diz ter recusado a oferta.
Dias depois da alegada oferta, Des Van Rooyen, uma figura menor do partido, foi nomeado para o cargo. Thuli Madonsela, a provedora da Justiça que ordenou a investigação e que abandonou o seu mandato de sete anos, em Outubro, como uma das figuras mais respeitadas na sociedade sul-africana, afirmou que o relatório contém provas de que Van Rooyen frequentou a casa da família Gupta em sete ocasiões, incluindo no dia anterior à sua surpreendente nomeação.
Entre outras matérias sensíveis quanto à promiscuidade entre o Governo sul-africano liderado por Zuma e os Gupta, está um pedido destes para que publicidade suportada pelo Estado fosse canalizada para um jornal que a família se preparava para lançar ou o acesso privilegiado daquela ao presidente executivo da companhia eléctrica estatal sul-africana. O relatório recomenda que seja estabelecida uma comissão de inquérito nos próximos 30 dias para investigar os indícios recolhidos de tráfico de influências.
Enquanto o relatório era divulgado, a polícia sul-africana usava canhões de água para dispersar manifestantes ligados aos socalistas revolucionários do Economic Freedom Fighters e a outros partidos da oposição que se dirigiam para a sede governamental de Jacob Zuma, em Pretória, exigindo a sua demissão. Presidente desde 2009, Zuma tem convivido regularmente com a polémica. No início do ano, o Tribunal Constitucional sul-africano determinou que usara indevidamente o equivalente a mais de 15 milhões euros de fundos estatais em obras de requalificação na sua casa de campo. O pedido de desculpas à nação foi acompanhado da devolução de pouco mais de 525 mil euros, o valor determinado pelo Tesouro sul-africano.
Não houve ainda qualquer reacção oficial da parte do Presidente, à parte um comunicado emitido pelo seu gabinete em que afirmava que retirara o requerimento para impedir a publicação do relatório “no interesse da justiça e da rápida resolução do caso”. O grande apoio que detém no parlamento, onde o ANC é esmagadoramente maioritário, permitiu-lhe escapar ao impeachment pedido na sequência do caso da casa de campo. Não é certo que o consiga agora, isto se, instituído um inquérito parlamentar, se confirmem os graves indícios de corrupção contidos no relatório agora divulgado.
O Guardian dá conta do mal estar no seio do ANC, onde decorre uma batalha entre os fiéis ao Presidente e os que lutam pela reforma do histórico partido da luta anti-apartheid. No início desta semana, o Sindicato dos Trabalhadores Unidos da Saúde e Educação Nacional, com 235 mil membros, apelou à destituição do Presidente com a emissão de um comunicado em que se lia: “Ainda que acreditemos que uma pessoa apenas não pode ser responsabilizada por todos os males que afectam a nossa sociedade e ainda que agradeçamos o bom serviço que o camarada Jacob Zuma prestou à nossa luta ao longo dos anos, a classe trabalhadora organizada não pode observar descontraidamente quando se torna claro que a revolução está a seguir um caminho desastroso”. Até a Fundação Nelson Mandela, que habitualmente se abstém de quaisquer comentários políticos, referiu que, durante os mandatos de Zuma, as instituições estatais foram enfraquecidas por intromissões na política do país em favor de interesses privados. Mcebisi Ndletyana, docente de Estudos Políticos na Universidade de Joanesburgo, declarou ao Guardian que as informações “explosivas” contidas no relatório farão com que os pedidos para a demissão de Zuma se tornem “cada vez mais ruidosas”.
Nos últimos anos a economia sul-africana registou um abrandamento no seu crescimento, o que foi acompanhado de um aumento da criminalidade e de uma incapacidade de lidar com o grave problema de pobreza que subsiste desde os tempos do apartheid. Para a maioria da população, porém, Zuma é um problema secundário. A insatisfação crescente com o ainda maioritário ANC nasce da sua incapacidade em provir a população de serviços de qualidade no que diz respeito à habitação, educação, electricidade e água canalizada.