Preferimos o Brillante Mendoza venenoso

Taklub é desenhado segundo uma lógica de reportagem documental que, pesem alguns momentos em que o dramatismo possui força verdadeira, se revela estritamente funcional. Preferimos Brillante noutro modo.

É difícil ser indiferente à sinceridade que está estampada em <i>Taklub</i>
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É difícil ser indiferente à sinceridade que está estampada em Taklub
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Quando cai o negro do genérico final aparece uma citação do Eclesiastes, aquela, célebre, que diz “haver um tempo para tudo”. É o tipo de conclusão resignada que se ajusta perfeitamente a Taklub, filme sobre a abnegação em face da catástrofe, e sobre a aceitação da adversidade como passo essencial para a superar. Que a referência seja religiosa também faz todo o sentido, porque Taklub, ambientado em regiões rurais das Filipinas, está cheio de alusões a uma religiosidade (cristã) radical e intensamente popular, filmada como reserva anímica, como bolsa de energia que permite, simplesmente, continuar.

No fundo, o “elogio dum povo”, encarado como forma de lhe oferecer um suplemente de “anima”, é o que Brillante Mendoza aqui procura, num filme bem diferente do que lhe conhecíamos e do que mais o celebrizou (Kinatay ou Lola, embora na deriva pela ruralidade filipina haja alguns pontos de contacto, ainda que em contexto bastante diferente, com Cativos, o úlitmo filme do cineasta estreado em Portugal). Parece uma referência longínqua, mas durante o visionamento vêm à memória aqueles filmes de propaganda britânicos feitos durante a II Guerra, elogiando o estoicismo dos londrinos debaixo do blitz e pretendendo ao mesmo tempo ser um estímulo para esse estoicismo. A catástrofe em Taklub é uma catástrofe natural – um tufão que varreu várias ilhas filipinas em 2013 – mas a mensagem, e sobretudo o seu objectivo, são de ordem semelhante.

Das imagens de destruição que abrem o filme, gravações video do rasto deixado pelo tufão, aos planos em paralítico (e a preto e branco), dados como reportagem fotográfica, Taklub assume essa perspectiva eminentemente positiva, minimizando as lamentações em função da reacção pragmática de um grupo de personagens que se dedica a cuidar dos vivos e a enterrar os mortos (parafraseando um conhecido marquês), sem tempo para grandes divagações. É difícil ser indiferente à sinceridade que está estampada no filme, e que passa pelos seus actores principais (Nora Aunor à cabeça) e pelos muitos rostos, corpos e histórias que vão encontrando. Perdoa-se, portanto, a Brillante Mendoza que tenha aqui deixado de ser aquele cineasta venenoso e acutilante de outros filmes, e que desenhe Taklub segundo uma lógica de reportagem documental que, pesem alguns momentos em que o dramatismo possui uma força verdadeira, cedo se revela estritamente funcional. Preferimos Brillante noutro modo, mas nada nos impede de aceitar este, onde o imperativo é genuinamente algo além da futilidade da “arte” ou do “comércio”.

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