Consumo de cerveja em Portugal caiu 25% em dez anos
Cada português bebe menos 15 litros de cerveja do que há uma década. Consumo só parou de cair em 2015.
Em 2015, cada português bebeu 46 litros de cerveja e o valor até deixou a indústria nacional mais tranquila. É que, nos últimos dez anos, o consumo per capita desta bebida não tem parado de cair e longe vão os 61 litros registados em 2005. Por isso, quando no ano passado se assistiu à estagnação do mercado e se atingiram os mesmos valores de 2014 houve quem suspirasse de alívio.
Rui Lopes Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Produtores de Cerveja (APCV), diz que as sucessivas quebras de consumo estão relacionadas com o travão generalizado nos gastos que se verificou a partir de 2010. Os portugueses deixaram de ir tanto aos restaurantes, optaram por ficar mais em casa, cozinhando refeições. É na restauração, cafés e bares que se vende 63% da cerveja em Portugal. Por isso, não é de estranhar que esta alteração de comportamento tenha tido impacto directo nas vendas. Há a acrescentar o facto de o IVA da restauração ter aumentado para 23% em 2012, efeito entretanto atenuado em Julho deste ano com a reposição nos 13% para as refeições e serviços de cafetaria.
“O consumo de cerveja por habitante caiu 22% de 2010 a 2015. Era de 59 litros per capita e em 2015 foi de 46 litros. Em consequência, a produção de cerveja no mercado interno caiu 11% no mesmo período. Não desceu tanto como o consumo porque há uma compensação com as exportações. Todavia, a contribuição fiscal do sector nestes cinco anos aumentou 28%”, diz Rui Lopes Ferreira, referindo-se ao Imposto Especial sobre o Consumo (IEC) que incide sobre a cerveja e o IVA. A APCV, que tem pedido aos sucessivos governos mais alívio nos impostos, argumenta que o sector consome matérias-primas nacionais, gera emprego e teve “um aumento da carga fiscal de 20% quando o consumo caiu 22%”.
Em função do tempo
A recessão económica ajuda a explicar o recuo nas vendas e Nuno Pinto de Magalhães, director de comunicação e relações institucionais da Sociedade Central de Cervejas (SCC, dona da Sagres e 100% detida pela Heineken), acrescenta à lista as condições climatéricas que, com excepção do ano passado e deste ano, não têm ajudado a aumentar o consumo. O Verão é a altura do ano em que mais se bebe cerveja, ou seja, quanto mais calor, melhor para a indústria.
A SCC tem acompanhado a tendência do sector, mas Nuno Pinto de Magalhães destaca que em 2015, segundo a Nielsen, o mercado nacional “teve um ligeiro comportamento positivo em volume de cerca de 1%, reflectindo as boas condições climatéricas do ano, o incremento do turismo e alguns sinais de recuperação económica”. Ao mesmo tempo, outros produtos parecem estar a marcar terreno: sidras e cervejas premium registaram crescimentos significativos em volume de vendas, destaca. As inovações lançadas nos últimos três anos (como novos sabores da Sagres Radler) pesaram perto de 7% nas vendas globais da empresa, por exemplo.
João Duarte Rodrigues, director de marketing da Empresa de Cervejas da Madeira, dona da Coral, não tem dúvidas em apontar o “aumento de impostos e a perda de poder de compra” como as principais causas para o recuo do mercado. Mas garante que, apesar da popularidade das sidras, “não existiu transferência para outras bebidas”. A mesma convicção tem Antoni Folgera, responsável da Font Salem, muito crítico da diferença fiscal face a Espanha, para onde a empresa do grupo Damm vende 70% da sua cerveja. “Em geral considero que houve uma queda no consumo do mercado interno. Não tenho dados concretos, mas acredito que o vinho manteve a sua posição devido à situação mais benéfica que tem por não estar sujeito a IEC”, argumenta.
À procura de uma saída
Uma das maiores produtoras do país, a Unicer (dona da Super Bock),acredita que, apesar de tudo, as cervejas enquanto produto de grande consumo têm conseguido mostrar “resiliência à conjuntura” e estão a recuperar graças à restauração, ao aumento do turismo em Portugal e aos investimentos que têm sido feitos para “diversificar a oferta”. Fonte da Unicer indica as “inovações selectivas”, por exemplo a Super Bock Selecção 1927, como um dos produtos que têm resistido à turbulência. É na restauração que a prova de fogo se faz, um “canal muito importante para as vendas da empresa e onde os nossos consumidores convivem com aquela que é a maior experiência cervejeira: uma boa cerveja à pressão”.
No capítulo das exportações, a indústria ainda está a recuperar. Angola era o principal cliente da cerveja portuguesa mas a crise das divisas mudou os planos à indústria. A SCC registou uma quebra das vendas para aquele país superior a 50% em 2015 (em volume). Já a Unicer, que tem há muito um projecto de produção local, focou-se nas geografias onde tem “presença consolidada, sobretudo na Europa”. Moçambique e China são apontados como mercados promissores, que podem “ajudar a compensar a quebra em Angola”. Já a Empresa de Cervejas da Madeira prevê fechar 2016 com um peso de 20% nas vendas dos mercados externos, “o que representa um aumento de 300% face ao ano passado”. “Muito deste crescimento é oriundo do mercado chinês”, diz o director de marketing, João Duarte Rodrigues.