Novo caso de licenciatura inexistente. Demite-se chefe de gabinete de secretário de Estado

Nuno Félix, chefe de gabinete do secretário de Estado da Juventude e do Desporto, não tem as licenciaturas que constavam do primeiro despacho de nomeação publicado em Diário da República.

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Nuno Félix Nuno Ferreira Santos

Nuno Félix, chefe de gabinete do secretário de Estado da Juventude e do Desporto, demitiu-se nesta sexta-feira. É a segunda demissão no Governo esta semana por causa de declarações falsas quanto a licenciaturas.

O caso foi revelado pelo Observador, dando conta de que, no despacho de nomeação publicado em Diário da República, Nuno Félix era apresentado como detentor de duas licenciaturas: uma em Ciências da Comunicação na Universidade Nova de Lisboa e outra em Direito na Universidade Autónoma de Lisboa. De acordo com o jornal, ambas as instituições negaram esta situação. A Universidade Nova informou que Félix esteve inscrito no curso de Comunicação no ano lectivo 2008/2009 sem o concluir e a Universidade Autónoma refere que frequentou o curso de Direito entre os anos 1995 e 1997 sem completar, igualmente, a licenciatura.

“O ministro da Educação foi hoje informado da decisão do secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Paulo Rebelo, que aceitou o pedido de demissão do seu chefe do gabinete, na sequência da incorrecção detectada no despacho de nomeação assinado pelo ex-secretário de Estado, e da qual teve agora conhecimento”, diz uma nota do Ministério da Educação enviada ao PÚBLICO.

“Este gabinete informa que o actual despacho de nomeação de Nuno Miguel de Aguiar Félix, publicado em Diário da República, tem a informação correcta de frequência do ensino superior”, acrescenta a mesma nota.

Isto é, o primeiro despacho, datado de Fevereiro deste ano, e assinado pelo anterior secretário de Estado João Wengorovius Meneses, dava conta dos dois cursos superiores de Nuno Félix. No entanto, em Junho, quando João Paulo Rebelo foi nomeado secretário de Estado da Juventude e do Desporto, e Nuno Félix foi reconduzido no cargo, o documento foi corrigido, informando apenas da "frequência" nas duas licenciaturas.

"Nunca disse que era licenciado"

Num esclarecimento escrito enviado ao PÚBLICO, Nuno Félix justifica o pedido de demissão por “entender que, para o desempenho das funções de chefe do gabinete”, são "necessárias não apenas competências técnicas e pessoais mas também uma reputação ética e política intocáveis que permita impor aos outros os critérios de exigência e de seriedade" que exige a si próprio.

"Nunca disse para nenhuma das funções que exerci que era licenciado. Mas sim que tinha a frequência do ensino superior",  diz o chefe de gabinete agora demitido, sem, no entanto, explicar como é que o despacho publicado em Diário da República o apresenta como licenciado. "Importa dizer que o meu percurso académico sempre foi público”.

Nuno Félix reconhece que lhe competia "controlar a qualidade das publicações em Diário da República – "coisa que fiz aquando da publicação da minha própria nomeação" – e que detectou o erro no despacho em causa. "Tendo detectado um erro na mesma, promovi junto de uma adjunta (jurista) do gabinete do SEJD, à época do mandato do dr. João Meneses, a execução de uma proposta de rectificação à dita publicação”.

Mas o erro não foi corrigido por “terem passado 60 dias sobre a produção de efeitos do despacho. Esta alteração seguiria fora de prazo legal e, como tal, não foi enviada naquele momento proposta de alteração da publicação”.

“No despacho de nomeação das minhas mais recentes funções (chefe de gabinete do SEJD) essa informação foi devida e atempadamente rectificada como está bem expresso e inequívoco no dito despacho, dando conta de que não sou licenciado”, realça Nuno Félix. “Para que fique bem claro – o despacho de nomeação ao abrigo do qual tenho exercido as funções de chefe do gabinete está correcto formal e materialmente, não padecendo de qualquer imprecisão”, refere na mesma nota.

Ministro nega

O Observador refere ainda que o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, tinha conhecimento do caso, mas decidiu manter o chefe de gabinete em funções. Ao mesmo jornal, João Wengorovius Meneses (que o PÚBLICO tentou contactar) afirmou que quis afastar Nuno Félix, mas que foi o próprio ministro da Educação que o impediu. No passado mês de Abril, Wengorovius acabou por se demitir, por "estar em desacordo" com o ministro da Educação. Félix manteve-se no cargo.

Já esta noite, João Wengorovius Meneses disse à TSF: “A questão das licenciaturas nunca foi uma questão decisiva para a minha saída". O antigo secretário de Estado realça ainda que tomou conhecimento do caso das licenciaturas do chefe de gabinete “dois dias antes de sair” e numa altura posterior à resposta de Tiago Brandão Rodrigues “por email”, informando que “não aceitava a exoneração” de Nuno Félix.

O pedido de exoneração foi então solicitado pela “sua impreparação para a função”."Nos últimos dias que antecederam a minha saída tomei conhecimento de aspectos que agravaram os motivos [do pedido de afastamento de Félix]. Houve uma terceira dimensão que foi o facto de eu tomar conhecimento que ele não tinha uma licenciatura”, reforça.

Sobre o alegado conhecimento do ministro da Educação, Wengorovius Meneses explica que tomou conhecimento da inexistência dos dois cursos superiores detidos por Nuno Félix “por via da sua jurista, mas que nunca comunicou "formalmente ao ministro o facto de Nuno Félix não ter uma ou duas licenciaturas”.

O ministro da Educação, por sua vez, desmentiu que "tenha tido conhecimento de que havia uma incorrecção no despacho de nomeação assinado pelo antigo secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Meneses, relativamente ao seu chefe do gabinete". Numa nota escrita do Ministério da Educação garante-se que "a referida incorrecção relativa ao percurso académico de Nuno Félix só agora chega ao conhecimento do ministro da Educação". 

Sobre o pedido de demissão do anterior secretário de Estado, João Wengorovius, esclarece-se que este "não saiu devido a questões relacionadas com o seu chefe do gabinete, inclusivamente a incorrecção do seu despacho de nomeação".

Outras demissões

Não é a primeira vez esta semana que se demite um adjunto do Governo. Na terça-feira, Rui Roque pediu a demissão do gabinete de António Costa, também depois de uma notícia do Observador referindo uma falsa licenciatura em Engenharia Electrotécnica pela Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade de Coimbra (quando só havia completado quatro cadeiras). O ex-adjunto, de 37 anos, que estava em funções há apenas dez meses, assessorava o primeiro-ministro em Assuntos Regionais, preparando as suas visitas dentro do país.

“Os dados constantes na minha nota curricular de nomeação baseiam-se nas informações prestadas pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra datadas de Outubro de 2009. Quando confrontado pelas vossas questões, eu próprio solicitei mais esclarecimentos da mesma instituição. Como ainda não obtive resposta, nada mais tenho a acrescentar”, assumiu o ex-adjunto ao Observador.

A questão das pseudolicenciaturas não é exclusiva de governos socialistas. Em Abril de 2013 foi um ministro do PSD, Miguel Relvas, a demitir-se na sequência de notícias sobre uma licenciatura concluída à custa de equivalências. Miguel Relvas tirou o curso em Ciência Política em apenas um ano porque recebeu, pela sua "experiência profissional", equivalência a 32 das 36 cadeiras da licenciatura. O caso foi enviado para o Ministério Público e, já este ano, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa considerou nulo o grau de licenciado atribuído ao ex-ministro pela Universidade Lusófona.

Em 2015, foi a vez de José Sócrates ver a sua licenciatura na Universidade Independente ser considerada irregular pelo Tribunal Administrativo de Lisboa, que decidiu, no entanto, não lhe retirar o grau de engenheiro por já ter passado muito tempo. Neste caso, as dúvidas sobre o grau académico de Sócrates começaram em 2007, quando este ainda era primeiro-ministro. Além de notas lançadas durante o fim-de-semana, havia ainda documentos por assinar, professores repetidos e outras contradições. 

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