É a Educação Física no Ensino Secundário essencial?

Pensar numa obrigatoriedade da "educação física" no ensino secundário faz pouco sentido, menos sentido faz forçar a que a sua nota conte no acesso ao ensino superior

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Aly Song/Reuters

O tema divide a opinião pública, provavelmente porque alguns terão tido uma experiência positiva, enquanto que outros, como eu, divisaram frequentemente na disciplina a "hora maldita", contexto de gozo e humilhação. Mas isto é como tudo na vida, a subjectividade açambarca a opinião até certo ponto, e há que ser objectivo, ou fingir sê-lo, pelo que terei de ser fisioterapeuta antes de impor as minhas más recordações. E eis que a "educação física" converge em sua aura milagrosa, nem por isso se justificando a celeuma no que ao ensino secundário diz respeito.

Entenda-se de vez: nós somos o nosso corpo, o corpo fala, expressa-se, dita a intenção, o objectivo, por e através dele nos precipitamos no mundo e fazemos o mundo vergar-se. Há, até, certa perspectiva "liberal", que advoga que o corpo deve ser o veículo de conquista, se bem que uma certa ética revela o cinismo da coisa, desta visão tão "darwinista", "capitalista", "moderna", dentro da qual, a "educação física" se relevaria enquanto modo de treino do corpo para a produção e a competitividade. Alguns dirão, decerto, que isto é importante, outros dirão que isto ofende o modelo "cooperativista" da sociedade, onde o moderno é substituído pelo antigo/"pós-moderno"; obviamente, a própria ética precisa da "competição", da relação, de algum "conflito", mas isso não nos impede de prezarmos a visão de um corpo "total", "artístico".

Em ambos os paradigmas, "moderno" e "pós-moderno", o corpo não se resume ao "físico", ele é "motor", "psicomotor", relevando uma "psicomotricidade", uma intencionalidade, uma expressividade. A "e-moção" requer um corpo "relacional", uma estrutura que é, em boa verdade, o alicerce da própria cognição (e da consciência). Não há aprendizagem sem esfera psicomotora. Os professores de "educação física" estão, em geral, cientes de tudo isto, como estão conscientes de que a nova "educação física" deve ser essencialmente uma "educação motora", re-ligacional e para a saúde, visando criar condições óptimas de "relacionamento ético". Com obviedade, a competição possui, aparentemente, um duplo aspecto, relacional e "liberal", devedor do pragmatismo que não é menos terminante para a construção dos "valores". Depende, sobretudo, do professor de "educação motora" se as aulas de "educação física" devem transformar-se numa espécie de tropa, contexto selectivo e de humilhação dos mais "desajeitados", ou se devem constituir o palco de uma coisa mais harmonizante. A tropa também tem suas virtudes, tal como a óptica competitiva, e mesmo neste contexto existe um corpo "práxico" e "expressivo". Mas manda o "bom-senso", certa ética, ou, talvez, a aparência de tal, que as aulas possam e devam ser apanágio do mais nobre das tarefas psicomotrizes. Nesta contextura, é fundamental repensar o papel do "desporto" na "educação física".

Ora, até agora tudo bem. Tudo o que digo é basilar, mas a verdade é que todos estes elementos vão perdendo lentamente a sua importância à medida que o jovem cresce. Por volta do 10º ano de escolaridade, quando o jovem já tem no mínimo quinze anos, todos estes aspectos já estão parcialmente cristalizados, e a "educação física" começa a ser algo que "ou se gosta ou não se gosta", alguma coisa que o próprio jovem escolherá "fazer ou não" na medida da sua vontade. Não é que tenha morrido o palco "psicomotor" - ele mantém sua vitalidade -, mas já não é tão crucial. Ora, sabemos que isto implica rever o próprio modelo da "educação física", não me parece que esta deva ser "igual" para todas as idades, e implica igualmente conferir-lhe certo "livre arbítrio", à imagem do próprio movimento que se intenta libertar. Pensar numa obrigatoriedade da "educação física" no ensino secundário faz pouco sentido, menos sentido faz forçar a que a sua nota conte no acesso ao ensino superior. Obviamente, tudo é relativo. Será que tal nota não teria importância na entrada para, por exemplo, um curso de "fisioterapia"? Teria menos importância para um curso de "artes", que também envolve um "corpo expressivo"?

Enfim, as perguntas poderão ser inúmeras. No meu caso, devo dizer que, apesar de ter odiado muitas aulas de "educação física", nem por isso sou menos activo na minha vida actual. Sou fisioterapeuta, pratico actividade física e ponho outros a praticá-la. Se, no meu tempo, a "educação física" contasse para a média de entrada na universidade, é possível que me faltassem as décimas necessárias para entrar no curso de "fisioterapia", hoje poderia ter uma vida bem diferente, não sei se melhor ou pior. Entretanto, continuo pouco fã da "educação física", "trauma" do passado, espero que a disciplina tenha "amadurecido" como as próprias crianças, e que o antigo trauma não tenha passado de "dores de crescimento".

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