O que leva uma cimenteira a produzir microalgas?

Secil aposta nas microalgas para sequestrar CO2, mas não só: já começou a comercializar aquele que acredita ser um dos produtos com maior potencial na alimentação, cosmética e biocombustíveis.

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Laboratório onde estão a investigar-se as microalgas Fábio Augusto
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Tubos com as microalgas na fábrica da Secil em Pataias, Alcobaça Fábio Augusto

A pergunta do título surge naturalmente a qualquer visitante que entre na fábrica Cibra-Pataias, da cimenteira Secil, perto de Alcobaça. No meio das instalações industriais clássicas, montes de pneus para queimar e chaminés, estendem-se longos tubos transparentes percorridos por um número incalculável de microalgas verdes.

Se somarmos todos estes tubos, são mais de 300 quilómetros de “piscinas” redondas onde nadam algas tão microscópicas que só as vemos quando se juntam aos milhares de milhões. Segundo Gonçalo Salazar Leite, administrador da Secil, estamos perante “o maior conjunto de fotobiorreactores em sistema fechado do mundo” – e um investimento de 15 milhões de euros.

O projecto desta Unidade de Produção de Microalgas – que inclui um laboratório na fábrica e a produção de microalgas até à fase de embalamento do produto em pó – começou há oito anos, mas só na terça-feira foi oficialmente inaugurado. Houve avanços e recuos, “muitos insucessos pelo caminho”, explicaram os responsáveis, e só agora consideraram que era altura para fazer esta apresentação pública.

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Tubos onde nadam as microalgas na fábrica da Secil em Pataias, Alcobaça Fábio Augusto

Tudo começou com uma preocupação ambiental. Uma cimenteira é uma indústria altamente poluente – basta saber que cada tonelada de calcário que é trabalhada para produzir cimento lança 600 quilos de dióxido de carbono (CO2) para a atmosfera.

Por todo o mundo, as empresas da área procuram formas de sequestrar o CO2 emitido, para atingir as metas para a redução de gases com efeito de estufa. Há diferentes estratégias para isso, explicou na inauguração Júlio Abelho, o engenheiro que dirige o projecto. “Mas são tecnologias demasiado caras, que têm um impacto elevado na competitividade.” Daí que a Secil tenha procurado uma alternativa mais viável – e acabou por a encontrar na produção de microalgas.

Ricas em proteínas, minerais, hidratos de carbono, ácidos gordos, vitaminas e outros componentes, as microalgas usam o CO2 para o processo de fotossíntese e conseguem duplicar a sua biomassa mais de duas vezes por dia. Ou seja, sublinha Sofia Hoffmann de Mendonça, responsável pelo desenvolvimento de negócio da Allmicroalgae (a empresa que, dentro da Secil, explora a produção de microalgas), “têm uma produtividade maior do que qualquer outra fonte vegetal de nutrientes”.

O resultado é duplo: não só podem absorver o dióxido de carbono produzido pela cimenteira como se transformam elas próprias num produto com valor comercial (ver texto nestas páginas). “O nosso projecto está centrado no sequestro de CO2”, afirma Júlio Abelho, mas “o que vier a mais é um ganho”.

O objectivo é conseguir vir a fixar 20 a 25% do dióxido de carbono produzido pela cimenteira, mas por enquanto está-se ainda em fase de testes e só nos bioreactores usados para investigação (metade do total) é que é usado esse CO2 industrial. Por razões de segurança alimentar, nas que se destinam à elaboração de suplementos alimentares usa-se exclusivamente CO2 aprovado para ser usado em produtos destinados a consumo humano.

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As microalgas no laboratório Fábio Augusto

Este é um excelente exemplo da “economia circular”, declarou, durante a visita à unidade, o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, notando como para o problema da poluição foi encontrada uma solução com potencial para se transformar num outro negócio.

Para já, estão ainda a ser dados os primeiros passos – o plano de implementação prevê sete fases e a empresa está a entrar na quarta, que passa por encontrar fontes de açúcar o mais baratas possível, como a beterraba-sacarina ou os resíduos de comida, para “alimentar” as algas. É que, a par da fotossíntese, na qual as algas crescem a partir da luz solar, começou muito recentemente a ser aplicado em Pataias um processo de fermentação.

“A fermentação tem a vantagem de acelerar o processo de crescimento. A produtividade é maior ainda”, explica ao PÚBLICO Sofia Mendonça. “Podem-se usar diferentes fontes de carbono orgânico, como os açúcares, os amidos, e é isso que estamos a estudar neste momento: que tipo de microalgas podemos fermentar e com que substratos.”

O caminho que se abre é imenso, reforça por seu lado Júlio Abelho. “Existem no mundo mais de 300 mil espécies de microalgas e estão catalogadas pouco mais de 30 mil. A nossa ideia é experimentar novas espécies para perceber o potencial específico de cada uma.” Para já estão a trabalhar com duas espécies, a Chlorella vulgaris e a Nannochloropsis oceanica, adquiridas em algotecas, “uma espécie de biblioteca de algas”, resume Sofia Mendonça.

A par disso, o objectivo é estudar a viabilidade do aumento de área, passando de 1 para 50 hectares – os que, segundo os cálculos, serão necessários para conseguir a fixação dos 25% do CO2 da fábrica de Pataias. Uma decisão final sobre esse passo será tomada em 2018/19.

E, para crescer em escala, está em estudo a criação das chamadas raceways low-cost, uma espécie de piscinas, mas a céu aberto, que permitem produzir quantidades muito maiores de algas, embora com um nível de pureza menor (e, neste caso, serão destinadas a outros fins que não a indústria alimentar).

A ambição é grande. “O universo de aplicação desta empresa é todo o mundo, da China às Américas”, declarou Gonçalo Salazar Leite. “Temos que encarar o facto que, na produção de cimento, somos uma indústria poluente”, acrescenta Júlio Abelho. “E todos vamos estar cada vez mais sobre pressão.” A resposta, conclui, só pode ser pela inovação e pelo desenvolvimento tecnológico. “O caminho é a redução do CO2, não há como voltar para trás.” 

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