Os 50 nkisi portugueses

Director do Museu de Etnologia explica o significado destas esculturas africanas.

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Nkisi recolhido entre 1890 e 1907 e adquirido pelo museu em Lisboa, em 1969, para ser incorporado nas colecções de Angola Cortesia: Museu Nacional de Etnologia
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Escultura recolhida em Cabinda em inícios do século XX e comprada pelo museu em Lisboa, em 1969 Cortesia: Museu Nacional de Etnologia

Há cerca de 50 destas esculturas nkisi em Portugal em colecções de acesso público. A esmagadora maioria delas está no Museu Nacional de Etnologia, em Lisboa. E, além da espectacular peça de Faro, há também nkisi no Museu Nacional de Arqueologia, no Museu Municipal da Figueira da Foz, no Museu de Ciência da Universidade de Coimbra ou ainda na Sociedade de Geografia.

Esta enumeração é feita por Paulo Costa, director do Museu Nacional de Etnologia, a instituição de referência na área da antropologia em Portugal. Só neste museu de Belém há 40 peças – quatro podem ser vistas na exposição permanente –, entre as cerca de 3.600 que constituem a famosa colecção africana.

As esculturas nkisi são oriundas de uma geografia que corresponde ao antigo Reino do Congo, que inclui o Norte de Angola e o enclave de Cabinda. “Estas figuras de uso ritual são utilizadas por um mediador entre o mundo dos humanos, a sociedade, e o mundo invisível dos espíritos, sobrenatural. Este mediador é plurifuncional, curandeiro e adivinho, e controla as forças presentes, supostamente, nestas figuras.”

Na literatura museológica e antropológica, explica o director do Museu de Etnologia, estas esculturas também se chamam “figuras de relicário”, porque as forças estão guardadas em receptáculos, muito semelhantes aos relicários ocidentais. “Nkisi designa esta figura que tem esta força sobrenatural e que é controlada e accionada pelo mediador.”

A escultura é ela própria um espírito, que pode ter a forma humana ou de um animal, ser masculino ou feminino. “É na zona do receptáculo que são colocados diversos materiais, vegetais ou minerais, que simbolizam as propriedades dos espíritos dos antepassados personificados na própria escultura. Podem também ter outras funções, como quando no receptáculo são colocadas garras de pássaro, para que o espírito, por exemplo, possa apanhar um criminoso que fugiu da aldeia.”

Há dois tipos de nkisi, os com pregos e os sem pregos: “Todas estas figuras de relicário são nkisi, os que têm os pregos são os nkisi nkondi, um subtipo destas figuras rituais.” E o nkisi nkondi do Museu de Faro apresenta uma das tipologias mais características: um guerreiro empunha uma faca (desaparecida, neste caso), um gesto que não implica um acto hostil, mas uma acção.

Cada um dos pregos ou lâminas espetados numa figura destas simboliza uma determinada acção, um pacto que foi selado. “Um acto de procura de um criminoso, por exemplo. É o mediador que prega, porque ele é o oficiante do ritual e quem controla a força sobrenatural.”

Não há testemunhos no Museu de Etnologia de como os rituais eram praticados, porque a maior parte destas peças foi recolhida entre finais do século XIX e inícios do século XX.  “A figura do nkisi foi muito requisitada para as colecções dos museus na Europa e aparece a inspirar os primeiros modernistas. Também foi muito procurada, por outras razões, pelos missionários, que como pretendiam evangelizar as populações locais queimavam ou destruíam parcialmente as esculturas, esvaziando os relicários com as propriedades activas do ponto de vista simbólico.”

Foram trazidas como exemplos de más práticas religiosas por missões cristãs para Portugal, como mostra no Museu de Etnologia uma etiqueta ainda presa a uma destas peças que diz que foi transferida do Seminário das Missões do Espírito Santo de Viana de Castelo. Outra, uma das maiores, foi deixada à porta do museu de Belém e a equipa nunca conseguiu identificar a razão por que o anterior proprietário se quis livrar dela já nos anos 90.

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