Robert Mapplethorpe: Sexo, fama e dinheiro
Mapplethorpe: Look at the Pictures quer que vejamos a obra de Robert Mapplethorpe. Não apenas três ou quatro fotografias de pénis. Quer mostrar-nos tudo: auto-retratos, nus masculinos, representações de actos sexuais, flores, retratos de amigos, celebridades.
Como o senador conservador Jesse Helms, o filme de Fenton Bailey e Randy Barbato quer que vejamos a obra de Robert Mapplethorpe. Não apenas três ou quatro fotografias de pénis. Quer mostrar-nos tudo: auto-retratos, nus masculinos, representações de actos sexuais, flores, retratos de amigos, celebridades. Ligando entre si os depoimentos dos entrevistados, essas imagens traçam uma linha cronológica, do aparecimento ao desaparecimento do artista. Não é possível falar delas fora da biografia, mesmo quando a transcendem.
Mapplethorpe: Look at the Pictures desperta com a curiosidade e o assombro de curadores que consultam fotografias nos arquivos do Instituto Getty, em Los Angeles. Parecem reabrir a arca de um tesouro, libertando, diante dos olhares dos espectadores, a beleza e o sexo, a violência e o choque. Gesto que se vai esgotando, diluindo-se nas recordações mundanas dos amantes de Robert Mapplethorpe, nos relatos dos seus encontros sexuais, na superficialidade de certas observações (a estafada menção à inveja do pénis negro, a propósito dos modelos afro-americanos, ou a surpreendente ideia de que a fotografia foi elevada a arte com Mapplethorpe!). A responsabilidade pode ser atribuída aos documentaristas, que não quiseram ou não souberem polemizar. Abeiram-se de perguntas incómodas, sem as concretizar, evitam confrontar os entrevistados com os seus silêncios e suspiros. Por exemplo, conquista da cena artística de Nova Iorque dos anos 70 pelos valores da América da Ronald Reagan (alguns dos quais seriam abraçados por Mapplethorpe) não merece qualquer comentário, como também não é explorada a insinuação de que o sucesso crítico das exposições esmorecia quando as imagens se afastavam do homoerotismo ou da pornografia homossexual. Pode-se argumentar que essas perguntas são deixadas em aberto e que caberá ao espectador tentar responder-lhes. O certo é que mal se escutam, submergidas na profusão de lugares-comuns e em revelações que satisfazem o mau gosto da curiosidade. A análise crítica de obra (difícil num documentário, mas desejável) fica à superfície das suas fotografias ou pendurada nas frases fátuas de algumas personalidades (lamente-se, a propósito, a ausência de Patti Smith).
De Robert Mapplethorpe só se ouve uma voz, tranquila, quase monocórdica, reproduzida num gravador. Artista que falava pouco sobre a sua arte – mas cuja recepção vigiava de perto, de modo obsessivo, por vezes agressivo – resiste à luz de um retrato, que só se esboça graças à intervenção, nem sempre voluntária, de terceiros. E o que nos dizem estes? Que Robert Mapplethorpe se deixou seduzir pela necessidade do reconhecimento público, pelo sucesso, pela fama, pelo dinheiro. Que descobria em cada amante um meio para o seu trabalho, um mero material. O frequentador das orgias do Mine Shaft (clube underground da comunidade homossexual nova-iorquina) era afinal o egoísta que abraçava, sem pestanejar, a condição mainstream do artista empresário. Cada relação, cada encontro ou acto acto sexual alimentava a sua produção (esbatendo as fronteira entre a arte e a vida) num movimento análogo ao do sucesso comercial e financeiro: o da acumulação. Mesmo depois de saber que estava gravemente doente, Mapplethorpe não descansou: dedicando-se, apenas, à sua arte ou àqueles que a embelezavam e, num ambiente de competição feroz, não hesitou em excluir todo e qualquer potencial concorrente, sacrificando pelo caminho os sentimentos dos outros (deixando-os desamparados). A dada altura, um antigo crítico da Village Voice não tem dúvidas em caracterizar essa atitude egocêntrica, alienada do mundo, como a que melhor descreve um verdadeiro génio. Definição discutível e, lamentavelmente, pouco discutida.
É nestes termos que Looking at The Pictures revela um ângulo interessante, ou seja, enquanto objecto que documenta a transformação do artista marginal em empreendedor impiedoso (de outro lado estava, é bom não esquecer, Andy Warhol) e a mercantilização intensa, imparável, da arte em Nova Iorque. Os sonhos dos anos 70 já estavam mortos no célebre auto-retrato de Mapplethorpe, emagrecido enquanto segura uma bengala sobre a qual nos fixa uma caveira. Imagem já muito distante daquela outra fotografia de 1975, em que estende um sorriso e um braço sobre a tela branca.