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Número de refeições servidas nas cantinas sociais está a cair

Neste momento, cerca de 41 mil refeições são distribuídas a famílias carenciadas em todo o país. Há um ano, eram 48 mil. Segunda-feira, é Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza

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Hora de refeição na Cantina Social da Casa Jesus, Maria, José, do Monte Pedral Fernando Veludo/NFactos
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Hora de refeição na Cantina Social da Casa Jesus, Maria, José, do Monte Pedral Fernando Veludo/NFactos

Cármen Moreira já não precisa de recorrer à cantina social da Associação do Monte Pedral, no Porto. “No fundo, eu nunca pedi ajuda”, diz a mulher, de 41 anos. “Acompanhei a minha mãe, porque a doutora queria falar com ela. A doutora olhou para mim e percebeu. Eu estava com 49 quilos. Tenho um metro e 70. Qualquer pessoa que olhasse para mim duas vezes percebia que eu passava fome. ”

Já foi tanta coisa, aquela organização de leigos cristãos. Nasceu em 1876 com o objectivo de apoiar famílias do Porto. Teve várias vidas: foi lactário, berçário, sopa dos pobres, associação de escolas. Desde 2014, funciona como centro de dia, apoio domiciliário, cantina social, centro comunitário, incubadora social. “De certo modo, regressou às origens”, nota o presidente da associação, Paulo Santos.

Quando o Programa de Emergência Social foi criado, no final de 2011, havia 62 cantinas sociais. Com o avanço da pobreza, previa-se que o país pudesse vir precisar de mais de 900 para garantir que nenhuma pessoa ficava sem comer duas vezes por dia. Nunca abriram tantas.

Em Dezembro de 2014, no pico do programa, 845 cantinas serviam 49 mil refeições diárias. Em Junho de 2015, eram 48 mil, em Dezembro do mesmo ano 42500. Neste momento, rondam as 41300, revela a secretária de Estado da Segurança Social, Cláudia Joaquim. O que aconteceu? Há menos beneficiários ou os beneficiários precisam de menos refeições por dia?

Cláudia Joaquim sempre teve dúvidas sobre as cantinas sociais. Quais foram os critérios de planeamento territorial? Quais os critérios de selecção das instituições que assinaram protocolo com o Estado? Como foi monitorizada a medida, por exemplo, no que concerne ao número de beneficiários? E ainda não tem respostas. A avaliação, que mandou fazer, ainda não está concluída.

Para o ano, haverá cabazes alimentares em vez de comida feita para famílias carenciadas. Até lá, tudo continua como antes. Os protocolos assinados com instituições particulares de solidariedade e misericórdias “são semestrais” e “foram renovados em Dezembro de 2015 e em Junho de 2016”, informou a governante. “A diminuição de refeições resultará da própria dinâmica da medida. Quando o número de refeições servidas era inferior ao protocolado, os protocolos ajustaram-se”, disse.

Ali, na Associação do Monte Pedral, o protocolo contempla 100 refeições, mas todos os dias saem 108. “Há sempre mais alguém que precisa”, torna Paulo Santos. Há uma porta só para quem recorre à cantina social da Casa Jesus, Maria, José do Monte Pedral. É uma forma de garantir discrição.

Cármen nunca pensou que algum dia precisaria de apoio alimentar. Trabalhava desde os 13 anos. Trabalhou 23 anos numa fábrica de confecção. A fábrica fechou. Trabalhou quase dois anos noutra. Essa fábrica também fechou. Não arranjou outra. A sua arte, a costura, está a mudar-se para a Ásia.

Ainda procurou trabalho em cafés e restaurantes. “Diziam-me que queriam pessoas com experiência. Não tinham tempo para ensinar.” Findo o subsídio de desemprego, não preenchia as condições de recurso para subsídio social de desemprego, nem para rendimento social de inserção (RSI), apesar do salário do marido, desenhador, não dar para pagar a renda, a água, a luz e a alimentação.

Foi “arranjando umas horinhas” a limpar aqui e ali. Familiares e amigos ajudavam conforme podiam. E podiam pouco. Só voltou a ter alimentação equilibrada com a cantina social. Frequentou-a “um ano e pouco”. Mal arranjou trabalho, numa empresa de limpezas, avisou. “Há quem esteja talvez pior até mesmo do que eu já estive. Não era justo continuar e tirar a oportunidade a outras famílias. Com o meu ordenado e o do meu marido conseguimos pagar as despesas e pôr comida na mesa.”

Pensionistas, beneficiários de RSI ou desempregados sem direito a qualquer subsídio trazem recipientes vazios, de plástico, com tampa de fecho hermético. Levam recipientes cheios, de plástico, com tampa de fecho hermético. Na terça-feira, 11 de Outubro, para o almoço, levavam sopa de legumes, arroz de cenoura com peixe de tomate e pimento, pão; para o jantar, sopa, massa com cenoura e frango, pão.

Sete dias por semana, ao meio dia, Graça Mendonça, 42 anos, cruza o número 259 da Rua Padre José Pacheco do Monte. Só completou o 4º ano. Submeteu-se a um processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências para ficar com o 9º. “Andava a limpar condomínios na Foz. Mandaram-nos embora. Substituíram-nos por uma empresa. Dizem que é mais barato.”

Não sabe o que pensar da mudança que aí vem. “A comida aqui é boa”, diz. “Poupo água e electricidade. É só pôr no microondas uns minutos.” Pensado bem, preferia continuar a levantar as refeições já preparadas para casa. “Sei cozinhar, que a minha mãe ensinou-me. Se calhar, habituei-me a isto.” Desabituava-se depressa, “se arranjasse trabalho a tempo inteiro”. “Nem que fosse a ganhar o ordenado mínimo. Fazia um tacho tão grande que dava para o outro dia. A gente cá desenrascava-se.”

O companheiro, cantoneiro, ganha o salário mínimo. “Eu pago 180 euros de renda”, diz Graça. “A féria dele não dá para tudo. Antes de ter isto aqui, muitas vezes era a minha mãe que me ajudava. Às vezes, comia só sopa.” A vida melhorou com a cantina. “Tenho comida e trabalho duas horas por dia, de segunda a sexta, em casa de uma senhora.” Acontece a patroa encaminhá-la para alguém que precisa de um trabalho ocasional. “Agora tenho duas horinhas por semana a dar a ferro.”

Minutos depois de Graça sair, carregada, a pé, chega Ilídio Oliveira, de bicicleta. Nem lhe falem em cozinhar. “Não tenho hipótese”, diz ele. Faz vida num quarto e numa sala. A cozinha ruiu. A casa de banho fica lá fora. Havia duas para toda a fileira de casas, agora vazias. “O senhorio quer limpar aquilo”, comenta o trolha, de 55 anos. “Quando uma coisa fica em ruinas a bicharada vai lá toda.” Está com ordem de despejo. “Fui à câmara para me arranjarem casa. Se não, vou viver para onde? Para um albergue?”

A distribuição de refeições manter-se-á onde se justificar. Cláudia Joaquim acha que distribuir cabazes dá mais autonomia às famílias, mas admite que haja sempre quem precise de comida feita.

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