Marcelo deu o tiro de partida à sucessão no PSD?
Os apelos do Presidente à “clareza de alternativa de governo” podem ser entendidos como mais uma ‘facadinha’ na actual liderança do maior partido da oposição. Mas não só.
Primeiro, foi a afirmação que o actual ciclo político vai até às autárquicas de 2017. Depois, os elogios rasgados a Luís Montenegro, visto como possível sucessor de Passos Coelho, a quem anteviu “muitos sucessos políticos” nos próximos tempos. Agora, os apelos a que a oposição se apresente com “clareza de alternativa de governo”. Está Marcelo Rebelo de Sousa a dar o tiro de partida para a corrida à sucessão de Passos Coelho? No PSD há quem pense que sim, mas também quem diga, como António Lobo Xavier, que os recados eram mais abrangentes.
Foram inesperados os recados deixados pelo Presidente da República num seminário do Fórum da Competitividade, na quinta-feira, quando decerto já conhecia a última sondagem do barómetro SIC/Expresso que dá o PSD em queda e a quase 6% do PS. Lobo Xavier, antigo dirigente do CDS, estava na primeira fila ao lado de Passos Coelho e reconhece que as declarações do Presidente foram “embaraçosas” para o líder do PSD, embora não apenas para ele.
“O Presidente disse coisas desagradáveis para todos, mas que são verdade”, considera este conselheiro de Estado, explicando que a tese de Marcelo é irrefutável: o fantasma da instabilidade política “esfumou-se”, e isso à custa tanto do Bloco de Esquerda e do PCP, que tiveram de aceitar a determinação do Governo em cumprir as metas de Bruxelas, como do PSD e do CDS, pois as receitas são as mesmas que o governo anterior.
“As escolhas fiscais deste Governo [impostos indirectos e sobre o património], longe de serem uma revolução, são as que menos prejudicam a economia”, afirma este advogado e gestor, lembrando que também o PSD tinha proposto um imposto sobre o imobiliário acima de um milhão de euros. Aliás, acrescenta, são medidas que estão de acordo com as recomendações da Comissão Europeia. O problema, conclui, é que estas receitas, se não estragam, também não alavancam a economia.
Daí que Lobo Xavier entenda que os recados de Marcelo também atinjam o Governo: “Venceu obstáculos políticos mas não conseguiu nada do ponto de vista económico”. E na perspectiva política, como sublinhou o Presidente, o problema é não existir uma alternativa demarcada de Governo. “Enquanto não existir uma alternativa clara, é obrigação da oposição proporcionar alguns consensos” que permitam dinamizar a economia, interpreta o conselheiro de Estado.
Também um destacado social-democrata com responsabilidades políticas que prefere não ser identificado considera que o Presidente enviou recados para os dois lados: para o Governo, porque Marcelo terá consciência que a “miscelânea governativa não leva a lado nenhum”. Mas também para criar pressão sobre Passos Coelho.
Na análise deste conselheiro nacional, o PSD está num impasse tridimensional: as sondagens inquietantes, a paralisia perante o processo autárquico e o discurso desapegado da realidade do seu presidente – “só fala em coisas como a formação do capital fixo” – fazem aumentar o desconforto no partido. Mas não existe um “challenger” definido, e as movimentações internas nesse sentido são ainda difusas e pouco do agrado do Presidente.
O simples facto de o Presidente pedir clareza à oposição vai pôr o partido a mexer, considera este dirigente, dizendo mesmo que é uma espécie de tiro de partida para começarem a aparecer alternativas num terreno que já está fértil para que tal aconteça.
O discurso de Marcelo vale pelos 10 mandamentos finais, as suas grandes orientações para os próximos tempos, analisa ainda um antigo dirigente social-democrata que também preferiu o anonimato. Na sua opinião, o Presidente dá sinais de entender que, neste momento, o sistema político está bloqueado porque falta uma alternativa de governo, na medida em que “não se sabe com a mesma clareza qual a filosofia política da oposição”.