Holanda prepara-se para alargar eutanásia a idosos que sintam ter chegado ao fim
Proposta motivou críticas dos sectores mais à direita. A decisão ficará nas mãos do Governo que sair das eleições marcadas para Março de 2017. Dentro de poucos meses, Parlamento português discute morte medicamente assistida.
O Governo holandês admite alargar a morte medicamente assistida a “todas as pessoas que sintam que a sua vida chegou ao fim” e desejem morrer, mesmo não estando doentes. A intenção, comunicada na terça-feira ao Parlamento holandês pelos ministros da Saúde e da Justiça, já desencadeou uma chuva de críticas nos sectores mais conservadores daquele que foi o primeiro país do mundo a legalizar a eutanásia.
“As pessoas que estão convencidas de que a sua vida terminou deveriam poder pôr-lhe fim de uma forma digna, segundo critérios rigorosos e cautelosos”, preconizaram os ministros, numa carta lida pelo titular da pasta da Saúde, Edith Schippers, na terça-feira, no Parlamento holandês.
Sem precisarem uma idade específica, os governantes sustentaram no mesmo documento que o sentimento de “vida realizada” ocorre principalmente em idades mais avançadas, pelo que as novas regras lhes estarão reservadas. Não especificam, porém, a partir de que idade pretendem abrir a possibilidade de morte assistida (eutanásia e suicídio medicamente assistido), sendo que aludem, no documento, a “sentimentos de solidão, em parte causados pela perda de entes queridos, deterioração e perda de dignidade pessoal”.
A lei da eutanásia actualmente em vigor na Holanda, e que é de 2002, restringe a morte medicamente assistida a pacientes que sofram de doenças incuráveis, tenham dores insuportáveis e expressem claramente o seu desejo de morrer. É obrigatório que um médico ateste que o doente está num sofrimento insuportável e sem quaisquer perspectivas de melhoria.
Em 2014, o governo de coligação holandês pediu um parecer a um comité de especialistas responsável por avaliar a viabilidade legal e os dilemas sociais que previsivelmente advirão da despenalização do suicídio assistido a pessoas que consideram que a sua vida chegou ao fim.
Por enquanto, não se sabe ao certo quando será redigida a nova proposta de lei nem quando será feita a respectiva votação. Mas, na referida carta, dizia-se que o governo liderado por Mark Rutte, contava elaborar a lei até ao final de 2017. Como em Março do próximo ano, haverá eleições na Holanda, a decisão vai recair sobre o novo executivo.
Eutanásia em Portugal em 2017
No próximo ano, o Parlamento português deverá ser chamado a votar pelo menos dois projectos-lei (do BE e do PAN) que propõem a despenalização da morte assistida (que inclui a eutanásia, quando é o médico a administrar o fármaco letal, e o suicídio medicamente assistido, quando é o próprio doente a fazê-lo). Mas, no caso português, o que está em causa é substancialmente diferente, na medida em que o que se prevê é que os médicos possam, sem incorrerem em nenhum crime, antecipar a morte de uma pessoa que o peça por estar doente e sem qualquer esperança de cura ou remissão. "A morte assistida, só pode ser admitida, requerida pelo próprio e realizada em situações de grande sofrimento provocado por doença ou lesão para as quais não haja qualquer esperança de cura ou evolução favorável, situações em que só a morte pode interromper o sofrimento. Não defendemos a morte assistida como resposta, solução ou alternativa aos problemas criados pelo envelhecimento, o abandono, a solidão ou o isolamento, situações que como sabemos são o contexto de vida de muitos idosos", destrinça João Semedo. O ex-deputado do Bloco de Esquerda e membro da direcção do movimento cívico "Direito a morrer com dignidade", aponta "duas condições básicas" para defender a eutanásia: "Sofrimento e decisão do próprio. E ambas têm de estar presentes. Sem sofrimento não há lugar à eutanásia e sem decisão do próprio também não".
No caso holandês, trata-se de quebrar estas barreiras. A nova lei pressuporia a criação de uma nova profissão, de acordo com o que se conhece da proposta, de uma espécie de “orientador” social ou “provedor de assistência na morte”, com formação no campo da medicina, a quem competirá avaliar o pedido de assistência no suicídio. O requerente estaria obrigado a pôr por escrito que deseja terminar com a sua vida e caberia ao orientador entrevistá-lo, pelo menos uma vez pessoalmente e sem a presença dos familiares. Portanto, a anuência estaria longe de ser automática, mas o requerente não teria de estar doente para poder obter assistência na morte.
A Holanda foi, recorde-se, o primeiro país do mundo a legalizar a eutanásia, em 2002. Mas, para que esta seja possível, o médico, que está no centro do processo, tem de atestar que não existe nenhuma outra solução razoável para o doente e que o sofrimento é insuportável e sem quaisquer perspectivas de melhoria. Só em 2015 este país registou 5516 casos de eutanásia, o correspondente a 3,9% das mortes no país, contra os 3136 casos verificados cinco anos antes. Das pessoas que pediam para morrer, mais de 70% sofriam de cancro e 2,9% de demência ou outras perturbações psiquiátricas, segundo os dados avançados, em Maio deste ano, em Amesterdão, num congresso internacional que analisou a questão.
Para os detractores da proposta lançada agora para o centro do debate, aquela escancara a porta a um “caminho de moral e ética duvidosas”, como descreve o The New York Times. O populista Geert Wilders, fundador do Partido para a Liberdade, conotado com a extrema-direita, considerou que o que o Estado se propõe é actuar como “um facilitador da morte” para pessoas sós ou deprimidas. “Combater a solidão, e investir na dignidade dos nossos idosos, é sempre a melhor opção”, preconizou, em declarações a um dos principais jornais holandeses. Em sintonia, têm sido muitas as vozes que dizem temer que muitos idosos peçam que os ajudem a pôr fim à vida por temerem ser um fardo para os seus familiares.