Paul Hamy avança com o seu corpo
O actor francês tem no Ornitólogo o seu primeiro papel principal numa carreira definida pela vontade de esquecer quem é.
João Pedro Rodrigues tinha-nos dito, a sorrir, que Paul Hamy, o actor que escolheu para interpretar o seu Ornitólogo, “fotografava muito bem” - significando que a sua presença parecia feita à medida da câmara. O encontro em pessoa com o actor francês confirma-o – ou não tivesse Hamy começado como manequim, desfilando para Yves Saint-Laurent ou Hedi Slimane. Mesmo nesta manhã de feriado enquanto o actor termina um pequeno-almoço tardio, resultante das filmagens de noite que está a realizar em Lisboa, percebe-se o que a câmara vê nele. E Hamy admite essa dimensão física na sua arte. “Cheguei ao cinema tarde, sem ter feito o conservatório nem estudado representação, e avanço com o meu corpo – gosto da dança, da actividade física. Gosto de poder ser expressivo com o corpo, e vejo-me como uma ferramenta que o realizador usa, como um escultor, frente à câmara.”
Não por acaso, Hamy gosta de esculpir, arte à qual se referirá repetidamente ao longo da conversa. É aí que encontramos a “chave” do trabalho do actor francês: “Gosto de personagens que mudam,” explica. “Que não são eu, que respondem à minha vontade de descobrir um outro. Não tenho vontade de ser o Paul Hamy frente à câmara. A minha abordagem não é imprimir uma personalidade, ou um carácter que recorra em todos os meus filmes. Prefiro antes apagar-me por completo, fazer coisas que não faria na vida real, ser aquilo que nunca seria. Esquecer quem sou.”
Daí que, numa carreira iniciada apenas em 2013, já tenha interpretado personagens tão diferentes como o jovem de província que seduz Catherine Deneuve de Ela Está de Partida de Emmanuelle Bercot ou um skinhead neo-nazi em Un Français, de Diastème. Nomeado para o César de melhor actor promissor por Suzanne, de Katell Quilleveré, rodou igualmente com Maïwenn (em Meu Rei) ou Alice Winocour (Maryland), mas O Ornitólogo marcou o seu primeiro verdadeiro papel principal. “Até então, apenas tinha tido papéis secundários em filmes de conjunto. O Ornitólogo apareceu no momento certo, quando estava pronto para transportar uma personagem durante todo um filme, vê-la evoluir, mudar.” Ri-se. “Receava um pouco um papel destes, completamente sozinho, no meio da natureza… Era uma personagem que nada tinha a ver comigo, num filme ao mesmo tempo místico e carnal. Mas eu estava pronto.”
Mais do que as personagens, avança que são os encontros que o motivam a aceitar um papel. “São as pessoas, mais que os filmes, que me atraem. O primeiro momento é o encontro com os realizadores, perceber como contam e o que procuram da sua história. Não procuro alguém que seja meu amigo ou com quem me poderia dar bem; antes alguém que saiba muito bem o que quer, para me poder esquecer por completo e entregar-me a um verdadeiro trabalho de criação de personagens. Não sei o que ele vê em mim ou o que ele procura, mas quando percebo que nos podemos entender, sei que podemos trabalhar juntos. Gosto que o realizador me leve para um universo que me é estranho e que a descoberta desse universo me enriqueça.” O encontro com João Pedro Rodrigues foi, a esse respeito, “uma aventura fantástica”: “Conhecia um pouco o seu cinema, e ele é alguém de muito respeitoso do ser humano, muito atento e ao mesmo tempo muito rigoroso, muito preciso.” Para além de lhe ter aberto, ao que parece, Portugal como um novo “terreno de jogo” - depois de O Ornitólogo e de Rouges sont les rêves de Fanny Ardant, Hamy está agora em Portugal a rodar pela terceira vez no espaço de um ano, em Neuf doigts, de F. J. Ossang, que já o levou aos Açores antes de seguir para Viana do Castelo. “Já falo português”, ri-se, ensaiando algumas frases. “Não muito bem, mas lá chegaremos.”