O Syriza não aprendeu a ser Governo e está a pagar por isso
O partido do primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, reúne-se a partir de hoje em Congresso. Em baixa nas sondagens, tenta recuperar do desgaste da aplicação de várias medidas a que sempre se opôs.
O Syriza começa esta quinta-feira quatro dias de congresso, dividido entre o partido de extrema-esquerda que foi e o partido de Governo a aplicar austeridade que é. Esta duplicidade vê-se em posições contrárias de responsáveis face a privatizações e várias reviravoltas que o Governo, sob forte pressão dos acordos para receber o financiamento de que precisa, tem levado a cabo.
As sondagens reflectem o descontentamento público com o Governo de Alexis Tsipras, eleito pela primeira vez em Janeiro de 2015 e uma segunda vez em Setembro desse ano. Uma destas sondagens foi publicada pelo jornal Avgi, próximo do partido, dizia que 90% dos inquiridos preferiam um Governo liderado pela oposição da Nova Democracia (ND) do que pelo Syriza. Outras sondagens têm dado uma vantagem de dez pontos percentuais à ND.
O Governo argumenta que lida com um espartilho que o obriga a aplicar certas medidas, mas tem, algumas vezes, aprovado leis ou utilizado tácticas que criticava quando estava na oposição — muitas delas em questões caras ao partido.
Gás lacrimogéneo contra reformados
O Governo decretou uma alteração na política de uso de gás lacrimogéneo pelas autoridades depois de uma manifestação em que a polícia usou gás lacrimogéneo contra reformados que protestavam contra novos cortes nas pensões.
Na sequência das críticas, o Governo anunciou que proibia a utilização de gás lacrimogéneo em manifestações de trabalhadores e pensionistas (um jornalista comentava que assim o executivo deixava de fora as manifestações dos anarquistas, onde por regra há mais potencial de violência).
Os reformados sofreram novos cortes nas pensões (desde o início da crise há seis anos as pensões são agora entre 25% a 55% do valor pré-crise) e numa altura em que o desemprego está em 23%, mais de metade dos lares gregos dependem totalmente ou em parte dos rendimentos de um reformado. As pensões são ainda 17% do PIB da Grécia — a maior percentagem dos países da OCDE.
Privatização da água: trabalhadores vingam-se
A sede do Syriza em Salónica foi a primeira a sofrer com uma potencial privatização da companhia de água da cidade, aprovada no Parlamento no final de Setembro. Trabalhadores da companhia, em protesto contra a medida, cortaram o fornecimento à sede do partido do Tsipras. O Syriza tinha-se manifestado contra esta privatização, levando mesmo a cabo um referendo informal, enquanto esteve na oposição.
Num artigo sobre as privatizações e como responsáveis do Syriza têm sido os seus maiores defensores mas também opositores, o Wall Street Journal lembrava como num debate no Parlamento o responsável pelo programa de privatizações, Christos Spirtzis, disse como “só Jesus Cristo” estaria interessado em comprar empresas com tantas dívidas como as companhias de água.
Privatização dos comboios e o valor mais baixo
O Governo aceitou a venda da companhia ferroviária grega, a Trainose, por 45 milhões de euros. Antes de chegar ao Governo, o ministro da Economia, Giorgos Stathakis, tinha criticado a declaração do Governo anterior de que poderia vender a companhia por 300 milhões, dizendo que se tratava de um “preço provocadoramente baixo”.
A venda concretizou-se este Verão à companhia estatal italiana pelo preço muito inferior, porque a outra hipótese que restaria ao Governo seria mesmo encerrar a Trainose.
Desafio ao poder da Igreja acaba em impasse
Com pouca margem de manobra noutras áreas, o Governo tentou uma medida para agradar aos eleitores do Syriza, que se opõem à muito especial relação entre Estado e Igreja, uma particularidade grega na União Europeia, apesar da oposição do seu parceiro de coligação, o partido populista Gregos Independentes, que defende a ligação Estado-Igreja.
A mais recente ideia do ministro da Educação, Nikos Filis, era que as aulas de religião nas escolas se abrissem a outras confissões, deixando de ser dominadas por ensinamentos da Igreja Ortodoxa, e que fossem alterados os manuais. Filis tentara antes propor que fosse necessária uma autorização oficial para os padres antes de visitarem escolas.
O episódio levou mesmo o parceiro de coligação de Tsipras, o líder dos Gregos Independentes Panos Kammenos, a ameaçar desfazer a coligação
Após uma reunião entre Tsipras e o arcebispo Ieronymos, o Governo anunciou que os manuais permaneciam para já inalterados.
Refugiados são bem-vindos, mas em condições dúbias
O Governo e o Syriza mantêm a posição de que os refugiados devem ser recebidos e não enviados para países onde enfrentam perigo.
É certo que o grande número de chegadas especialmente para um país como a Grécia (nas ilhas há neste momento mais de 15 mil refugiados quando há condições para sete mil) contribui para que as condições não sejam as melhores.
Mas organizações não-governamentais dizem que alguns problemas poderiam ser melhorados pelo Governo: não deter menores não acompanhados em celas de polícia, ou melhorar a burocracia.
O Governo prometeu fechar campos sem condições como Amygdaleza, perto de Atenas, mas não conseguiu encontrar alternativas e por isso recuou.
O Governo também insiste que os refugiados que estão a regressar para a Turquia são os que querem, como disse o ministro com a pasta dos refugiados, Dimitris Vitsas, numa entrevista ao PÚBLICO, mas a Amnistia Internacional (AI) alertou na semana passada para o caso de um sírio de 21 anos que está prestes a ser enviado para a Turquia sem que o seu pedido de asilo seja considerado. A AI sublinha que este caso, actualmente a ser apreciado em tribunal, abriria um precedente e apela à pressão sobre o primeiro-ministro para que impeça esta acção.
Regressaram aprovações-relâmpago no Parlamento
Na oposição, o Syriza criticou a apresentação de centenas de páginas de legislação em cima dos prazos para aprovação no Parlamento através dos procedimentos de emergência, o modo de aprovação normal para as medidas relacionadas com o programa acordado com os credores.
Em Maio, o Governo de Tsipras levou 7500 páginas de medidas (incluindo o fundo de privatização, aumento do IVA e outros impostos, e um mecanismo automático de corte em caso de não cumprimento de metas orçamentais) para discussão e aprovação em quatro dias.
Lei dos media e a luta contra a corrupção
A luta contra a corrupção é um dos objectivos declarados do Syriza mais repetido. Uma das últimas medidas alterou o sistema de licenças de televisão, que simbolizava para muitos um “triângulo de corrupção” de políticos, magnatas dos media e banqueiros. Mas no caso das televisões o processo deu munições a quem critica o Syriza, diz o jornalista Nick Malkoutzis, por falta de verificação de background dos concorrentes. Depois, no caso de um dos vencedores, descobriu-se um empréstimo irregular do banco Attika. Além disso, o mais alto tribunal grego analisa ainda a legalidade do processo de distribuição das licenças. Uma medida de luta contra a corrupção que acabou por se tornar uma dor de cabeça para o Governo de Tsipras.