O limite da vida dos humanos é de 115 anos?
Apesar do aumento da esperança de vida registado nas últimas décadas, estudo mostra que a longevidade humana tem um limite imposto por “condicionantes naturais”. E que já chegámos a esse limite.
A conclusão de que a vida das pessoas tem um fim, um limite, não parece espectacular. No entanto, graças ao progresso tecnológico e à melhoria dos cuidados de saúde, a esperança de vida das pessoas tem vindo a aumentar consideravelmente desde o século XIX. Mas, de acordo com uma equipa de cientistas norte-americanos, este indicador estagnou por volta da década de 90. Desde aí que a idade da pessoa mais velha do mundo não aumenta. A equipa de especialistas do Departamento de Genética da Faculdade de Medicina Albert Einstein, em Nova Iorque (EUA), usou bases de dados demográficos para concluir que o limite máximo da longevidade da nossa espécie foi atingido e fixa-se à volta dos 115 anos.
Jeanne Calment tinha 122 anos quando morreu em França, onde nasceu e viveu. Está no topo do restrito grupo dos supercentenários (pessoas que vivem além dos 110 anos) deste planeta, sendo considerada como a pessoa que comprovadamente viveu mais tempo no mundo. É um caso raro e, segundo os especialistas que esta semana publicaram um artigo científico na revista Nature, as probabilidades de este recorde ser ultrapassado, um dia, são muito pequenas. Segundo os cálculos realizados neste trabalho, a probabilidade de ultrapassar os 125 anos de vida é menos de uma em 10 mil, ou seja, menor que 0,01%.
A curva ascendente que mostra o aumento da esperança média de vida começou no século XIX. A espécie humana ganhou mais cerca de 30 anos de vida durante o último século. Alguns perguntavam-se onde esta linha iria parar. Até que ponto, com o avanço das tecnologias e das respostas a problemas de saúde pública, conseguimos diminuir a mortalidade nos primeiros anos de vida e aumentar a longevidade? O trabalho de análise estatística da equipa de investigadores dos EUA sugere uma resposta.
Primeiro, os especialistas analisaram a informação de 40 países publicada na Base de Dados da Mortalidade Humana e concluíram que a faixa etária que registou mais progressos em termos de sobrevivência estagnou por volta dos 1980. Depois, focando-se nos registos da Base de Dados Internacional da Longevidade, estudaram a idade máxima na altura da morte em 38 países países. Os autores do artigo Provas de um limite para o tempo de vida humana constataram que desde a morte de Jeanne Calment, em 1997, que a idade máxima parou de aumentar e estabilizou. Tudo isto faz com que Xiao Dong, Brandon Milholland e Jan Vijg confirmem o que outros investigadores já tinham sugerido antes, ou seja, que o tempo de vida da espécie humana tem um limite e o tecto está à volta dos 115 anos, afirmam.
Pode parecer óbvio, mas não é consensual. Alguns investigadores já questionaram publicamente estes resultados lembrando, por exemplo, que este tecto já esteve nos 65, nos 85 e nos 105 anos, ou assinalando o facto de o artigo descrever o passado mas não ser capaz de antecipar o que pode vir a acontecer. Até agora foi assim, mas e daqui para a frente?
Alguns investigadores acreditam que o futuro nos pode reservar algumas surpresas com os resultados das estratégias que se experimentam com fármacos, terapias genéticas e alterações do estilo de vida e que têm um único objectivo: aumentar a nossa longevidade. “Mesmo em animais da mesma espécie podemos observar longevidades muito diferentes. Isto demonstra que estilos de vida (factores ambientais) ou variações genéticas podem contribuir para mecanismos de longevidade”, refere ao PÚBLICO Filipe Cabreiro, investigador principal no Instituto de Biologia Estrutural e Molecular da University College de Londres, no Reino Unido.
Segundo este cientista que no seu laboratório investiga a relação entre fármacos e longevidade, há experiências em modelos animais que já mostraram que a alteração de factores associados ao ambiente e à genética pode “alterar substancialmente a duração de vida”. Por isso, nota Filipe Cabreiro, a conclusão deste artigo “não invalida a possibilidade de que se possa aumentar consideravelmente a duração de vida de uma forma ‘artificial’”.
Os autores do artigo publicado na Nature defendem que a longevidade da espécie humana é “um subproduto acidental de programas genéticos definidos para eventos precoces da vida, tais como o desenvolvimento, crescimento e a reprodução”. O limite da vida da nossa espécie, dizem, é determinado por um conjunto de sistemas que fazem parte do nosso genoma e que determinam a longevidade. Para alterar os limites da duração da vida humana, era preciso mais do que tratar mais e melhor as doenças ou manipular este ou aquele gene com fármacos. “Era preciso mudar toda a composição genética da espécie humana, era preciso desenvolver milhares ou dezenas de milhares de fármacos”, acredita Jan Vijg, citado pela BBC.
Mas, frisa Filipe Cabreiro, mais importante do que vivermos muito tempo, será sermos capazes de viver muito tempo com qualidade de vida. Ou seja, aumentar a longevidade travando o envelhecimento. “Quando se tiver uma noção mais precisa de como os factores exteriores e genéticos controlam a nossa longevidade, acredito que muitas das terapias existentes poderão não só contribuir para o aumento de longevidade mas também para uma melhoria da qualidade de vida. A quantidade de estudos de grande impacto recentemente publicados demonstra isso mesmo”, refere.
Mas o futuro mais próximo, diz o investigador português, também pode passar por uma sociedade com tempos de vida desiguais. “Com o aumento de obesidade, por exemplo, estamos a assistir um decréscimo na longevidade e na qualidade de vida. Será possível que o futuro venha a mostrar uma quebra na população, uns de curta vida devido a doenças, etc., e outros de longa vida. Estas alterações demográficas terão um impacto muito importante na nossa sociedade”, antecipa Filipe Cabreiro.
O tempo dirá se os investigadores que analisaram o nosso passado demográfico acertaram no limite futuro do nosso tempo de vida que dizem ser imposto por “condicionantes naturais”. Ou se investigadores como Filipe Cabreiro conseguem esticar ainda mais a nossa longevidade. Para ter mais probabilidades de estar cá para ver quem tem razão, não será má ideia optar por um estilo de vida saudável e manter o bom humor. As histórias das longas vidas dos supercentenários mostram que isso pode fazer diferença.