Conta-nos que começou a gostar de poesia no dia 25 de Abril de 1974. O pai, ao contrário do que costumava fazer todos os dias, nessa manhã não ligou o rádio. E ela apanhou a camioneta para a escola, como sempre. Sem saber o que estava a acontecer. Ao chegar ao liceu disseram-lhe, a ela e aos outros alunos, que não havia aulas naquele dia porque estava a acontecer uma revolução em Lisboa. Então, a professora de português, Irene Vivas, para que não ficassem na rua, levou-os para uma sala onde lhes leu um texto de Manuel Alegre. Um texto censurado até àquele dia. Era um texto em prosa, diz-nos a professora Ângela Oliveira. Mas tocou-me tanto, mas tanto, que eu tive de ir à procura de mais coisas escritas por ele. E descobri a sua poesia. E depois a de outros. E de outros. Aquela leitura da minha professora abriu-me um mundo que eu não conhecia. A poesia muda-nos a forma de ver o mundo, porque a partir do momento em que a conseguimos interpretar, também conseguimos interpretar o mundo.
A professora Ângela é professora de História e Português, do 2.º ciclo em Óbidos. Conheci-a numa festa de Natal da escola da minha filha. Entrou em palco com uma turma dela e poesia de Marguerite Yourcenar, mais ou menos entre as canções de Natal e a actuação do mágico. Fiquei a pensar que gostaria que ela um dia fosse professora da minha filha. Foi. Tivemos sorte. Olho-a, agora, sentada numas escadas em Óbidos, ao 7.º dia do FOLIO, e enquanto nos fala sobre poesia, com uma emoção que lhe faz perder o ar sério, eu penso que ser professor é isto. É esta passagem de testemunho, quase mágica, que atravessou séculos de humanidade. A professora dela abriu-lhe o mundo da poesia. Ela, por sua vez, abriu esse mundo à minha filha e aos filhos dos outros.
Pergunto-lhe o que acha que faz falta na escola. Pensa um bocadinho e responde: “Mais do que equipamentos e materiais faz falta uma reflexão mais profunda sobre o que está a acontecer menos bem na escola. E a aprendizagem tem de voltar a ser valorizada, porque a escola ainda continua a ser um dos melhores veículos de progressão.”
Pergunta-nos se conhecemos o jardim da Biblioteca Municipal. Eu e a Marta dizemos que não. E enquanto ela nos guia pelas ruas de Óbidos, fala-nos sobre a falta que a leitura pública faz. Que hoje se fala muito em livrarias e pouco em bibliotecas. Que a leitura pública é realmente a mais acessível. E a todos. Porque não depende do poder económico de cada um. Li muitos, muitos, livros de biblioteca, conta-nos. Os meus pais sempre que podiam compravam-me livros, mas, provavelmente não poderiam ter comprado todos os que li. Nem a mim, penso eu.
Antes de terminarmos a conversa, já na Biblioteca Municipal pergunto-lhe se gosta de ser professora. Sorri e diz-me que sim. “Ensinar também é ler, porque a vida é leitura. Lemos tudo. E ao ensinar estou sempre a ler e aprender.”