Sempre fui aquilo que a esquerda caracteriza como “um perigoso neoliberal,” uma entidade demoníaca que tem como objectivo único o desmantelar do Estado, e a sua revenda a entidades privadas que tencionam explorar os seres humanos numa frenética procura pelo lucro; um autêntico “porco capitalista!”
Tal caricatura do liberalismo é, como todas as caricaturas, redutora e absurda — e motivo para uma boa gargalhada. Equivalente seria apelidar a esquerda de perigosos monstros dispostos a escravizar as populações aos desígnios de uma entidade estatal, enquanto desmantelam as relações sociais existentes desde tempos imemoriais em prol de uma direcção cega de um estado absoluto. Isso e comer bebés, e toda a gente sabe que quem come bebés é só o PCP.
O Bloco (não lhes digam isto que eles não gostam!) é liberal quando vem defender a legalização das drogas leves, o PS quando defende o casamento homossexual e o PCP quando acha que não deve pagar IVA. O CDS foi liberal quando cortou nos impostos e regulamentação na área do turismo e o PSD está a ser liberal quando diz que temos de cortar nas despesas do Estado, mas não o é (de forma alguma) quando diz que a dívida só pode ser paga com um aumento dos impostos, e que se baixarmos o IVA da restauração o senhor Zé da Esquina vai pegar nos seus sete euros extra, pô-los ao bolso e fugir para as ilhas Caimão!
Em suma, isto de ser liberal é acreditar numa “liberdade negativa”, é defender que, por vezes, o Estado necessita de se retirar de alguns assuntos e deixar as populações geri-los de acordo com a sua vontade e razão; que liberdade é “não sermos impedidos de”, e não “serem-nos dadas as condições para”, que se o estado toma como sua responsabilidade satisfazer todas as nossas necessidades usará inevitavelmente como moeda de troca as nossas liberdades.
É ser liberal dizer que os homossexuais devem poder casar (aliás, qualquer bom liberal não percebe por que raio é que eles não puderam casar mais cedo); é ser liberal dizer que uma pessoa de cor ou uma mulher não deve ser discriminada por lei com base no seu sexo ou cor de pele; é ser liberal afirmar que fumar marijuana deva ser legal; e é ser liberal também dizer que o Estado tem de tirar as mãos dos nossos bolsos e dos nossos maços de tabaco e garrafas de vinho; é ser liberal defender o uso do “burkini” (cada um que use o que quiser!) e, quando ouvires alguém dizer “o lugar da mulher é em casa”, ou “o lugar da mulher é no trabalho”, diz-lhes que o lugar da mulher é onde ela quiser! Isso também é ser liberal!
E como eu há muitos. Cada vez mais as vozes liberais se fazem ouvir por entre a opinião pública portuguesa e enquanto capital político cada vez ganhamos mais peso em oposição ao socialismo, social-democracia, conservadorismo, comunismo e democracia-cristã.
Agora, fica a questão: quando foi a última vez que ouviste falar de liberdade em Portugal? Ou ouviste dizer que o Estado não deve impedir os cidadãos de fazer isto ou aquilo? Ou que temos de devolver a liberdade económica, cortar impostos e facilitar a criação de postos de trabalho? De sermos livres social e economicamente? Se te lembrares do nome de um partido que defenda tudo isto, diz-me, que eu estou muito curioso por saber. E juro que já procurei.