Bloco e PS: o dia da primeira traição
Na velha arte de espetar facas em costas alheias, o Bloco ainda tem muito a aprender com o PS.
Não é só Brad e Angelina que estão com problemas: o casamento entre o Partido Socialista e o Bloco de Esquerda também já viu melhores dias. É certo que ainda ninguém entregou os papéis do divórcio, até porque é cedo para isso, mas ontem de manhã fomos confrontados com a primeira traição, pela boca de dois Pedros. Pedro Nuno Santos, do PS, deu a primeira facada no matrimónio nas páginas do DN, ao declarar que “os anúncios sobre o Orçamento são feitos pelo governo”, forma muito pouco subtil de desautorizar Mariana Mortágua. Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda, respondeu com outra facada aos microfones da TSF, garantindo que o processo que levou Mariana a anunciar a tributação de imóveis acima de 500 mil euros não só foi feito “com o conhecimento do Governo”, como foi “enquadrado numa estratégia mediática aceite pelas duas partes, que estiveram à mesa quer na elaboração da proposta, quer na discussão de como ela se tornava pública”. E para o caso de nem toda a gente ter percebido que era mesmo de traição de que ali se estava a falar, Pedro Filipe Soares voltou a repetir: trata-se de “um processo – insisto – que foi analisado quer pelo Bloco de Esquerda, quer pelo governo, quer com a envolvência do Partido Socialista”.
Estas declarações apenas confirmam o óbvio: Mariana Mortágua falou publicamente do novo imposto com a autorização do Partido Socialista e do governo. Ninguém imaginava que pudesse ser de outra forma. O que o Bloco e o PS imaginavam, isso sim, é que as consequências da comunicação fossem outras. No seu actual delírio colectivista e na sua paixão descabeçada pela igualdade, ambos os partidos acreditavam que um imposto para tributar a terceira vivenda de família acima do meio milhão de euros iria ser festivamente acolhido como um imposto sobre os ricos, e que a classe média rejubilaria – finalmente, Ricardo Salgado iria começar a pagar o que deve! Só que a classe média portuguesa já tem calos nos bolsos, e está habituada a que lhe chamem classe alta há muito tempo. Desconfia, por isso, que mais tarde ou mais cedo os “impostos para os ricos” acabarão por sobrar para si – senão em 2017, talvez em 2018 ou 2020. Podemos baptizar este fenómeno de trickle-down taxes: os impostos começam por ser para os 1% do topo e rapidamente descem por aí abaixo quando se percebe que só com esses não se arrecada dinheiro nenhum (é ver o que se amealhou com o 1% de imposto de selo em casas de valor superior a um milhão de euros).
Quando se junta a má explicação do imposto às declarações de Mortágua no colóquio do PS, o resultado é um cocktail explosivo. Mas este até poderia ser apenas um daqueles azares que acontecem na política, não fosse a velocidade a que o PS roeu a corda do Bloco. Assim que as coisas começaram a aquecer tivemos o primeiro vislumbre da extraordinária consistência daquela união – e de como há muita gente no PS a não achar graça nenhuma à ascensão mediática do Bloco de Esquerda. Vai daí, António Costa, político que faz sempre a mesma finta, como Vítor Paneira, apareceu logo a aplicar a sua especialidade: desvalorizar declarações falhadas oriundas do seu campo político (neste caso, e para variar, não de Mário Centeno, mas de Mariana Mortágua) e garantir que está tudo bem. Só que desta vez a desvalorização não é anódina – ela coloca em xeque a posição dos seus aliados. Na velha arte de espetar facas em costas alheias, o Bloco ainda tem muito a aprender com o PS.