Quarta-feira, 21 de Setembro, de regresso a Lisboa

Começo estas linhas, que encerram as notas de Nova Iorque, no contexto da deslocação à 71ª Assembleia-Geral das Nações Unidas, voltando ao post scriptum com que encerrei as anotações de ontem. Por um lado, porque não posso deixar de clarificar a comparação que fiz do discurso do Presidente Obama com a de um canto de cisne. A sintaxe, porventura um tanto defeituosa, da frase que escrevi é susceptível de induzir o leitor em erro, pelo que entendo dever reformulá-la aqui, a saber: “o último discurso de Obama soou – pese embora o colorido porventura desajeitado da metáfora, aqui inócuo - como um inquietante e insistente canto de cisne”. A verdade é que a língua tem destas coisas, por vezes a pressa trai o pensamento, outras é este que se enreda em considerações sobrepostas… ironizando um pouco, afinal não me costumam imputar o defeito de frases longas e intrincadas?

De qualquer forma, também queria voltar à intervenção do Presidente Obama que, de resto, merece ser lida na integralidade, para vincar um aspecto que ontem não referi: canto de cisne, sim, mas outrossim, uma afirmação forte e inequívoca de um conjunto de princípios e convicções que enformam a sua visão do mundo e da política internacional, centrada na cooperação e na acção colectiva, no papel dos direitos do homem e do direito internacional, na democracia e na boa governação, na criação de sociedades abertas e da economia de mercado como factores de prosperidade e de progresso. Hoje, depois de um longo dia pautado por sucessivas intervenções, é afinal esta a mensagem forte que continua a ressoar nas nossas mentes e que, afinal, exprime a marca da era Obama.

A estreia do nosso Presidente na Assembleia-Geral, a sua intervenção na Cimeira paralela sobre refugiados, organizada por iniciativa da administração americana e presidida pelo próprio Obama, complementar à de segunda-feira, para não falar dos vários encontros bilaterais havidos com os respectivos pares, em que naturalmente não participei, fizeram deste dia extenuante um momento alto para a delegação portuguesa e para Portugal.

Parto de Nova Iorque com a agradável sensação de haver uma frente comum sólida no plano externo e uma conjugação de esforços, serena, madura e firme no sentido da afirmação dos interesses nacionais e da defesa das nossas prioridades de política exterior.

É muito gratificante observar este entendimento institucional e pessoal, que encontra na competência, diligência e enorme profissionalismo dos nossos diplomatas e dos serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros, um apoio certo que nos permite mais facilmente afrontar desafios e visar objectivos, por vezes particularmente exigentes, como é o caso da actual candidatura à liderança das Nações Unidas. O concurso de esforços variados e a sua boa articulação só abonam a nosso favor e concorrem para o prestígio de Portugal no seio da comunidade internacional.

Talvez porque se não tivesse enveredado pela vida política, a diplomacia me teria tentado, embora creia sinceramente que a minha ficha na PIDE teria sido um factor inibidor, tenho sempre um enorme prazer em manter contactos com os nossos embaixadores pelo mundo fora, acompanhar a sua actuação e contar com os seus relatos, sempre pormenorizados e vivos, sobre a vida nos países em que nos representam ou as instituições e organizações de que se ocupam.

Conhecendo um pouco da vida das Nações Unidas, tendo-as frequentado de perto na última década por via das várias tarefas de que fui incumbido, é sempre com renovada curiosidade e grande interesse que procuro acompanhar os debates em curso. Numa altura em que a liderança das Nações Unidas será renovada, em que tantas eleições decisivas, presidenciais ou legislativas terão lugar em várias partes do mundo e, em que, por outro lado, o caderno de encargos mundial está tão cheio de pesados desafios, com inúmeros conflitos acessos em que se cruzam múltiplos interesses de natureza vária e de sinal contrário, a margem é estreita e o caminho incerto e tortuoso, entre perspectivas pessimistas e expectativas positivas. É na construção da esperança que nos temos de empenhar, na defesa intransigente dos princípios e dos valores da carta fundadora das Nações Unidas. Fora dela, não há futuro.

Fazendo parte do Club de Madrid, antes de partir para Lisboa, ainda tenho esta manhã um encontro com os seus membros, todos antigos chefes de estado ou de governo. Far-se-á um ponto de situação das actividades em curso e das disponibilidades de cada um para participar nas missões, que este fórum organiza, em função dos programas internacionais em que está envolvido, ora na área da consolidação da democracia, do estado de direito e dos direitos humanos ora na construção de sociedades inclusivas ora na luta contra o extremismo violento e a radicalização, para dar alguns exemplos. Em 2008 participei numa extraordinária e inesquecível missão ao Irão e, mais recentemente, presidi a uma outra à Tunísia. Não tenho, de resto, sido um membro muito activo por força de todas as outras funções que desempenhei desde 2006. Mas a propósito deste singular estatuto que é ser “ex” ou “antigo” qualquer coisa, e com isto termino, nunca esquecerei uma divertida observação de Filipe Gonzalez, sempre muito vivo e cheio de humor, por quem tenho a maior estima, que um dia me disse com aquele fulgor próprio à língua castelhana “homem, que queres, nós somos como jarrões de porcelana, preciosíssimos, por certo, mas que ninguém sabe muito bem onde meter… 

Ex-Presidente da República

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