Jovens portugueses são dos que mais consomem tranquilizantes e sedativos entre os europeus
Estudo europeu que mede os consumos de álcool e drogas em 35 países mostra que 13% dos jovens portugueses em idade escolar consomem substâncias psicoactivas. Faltam psicólogos nos cuidados de saúde primários, alerta responsável do Programa de Saúde Mental da DGS.
Os jovens portugueses apresentam padrões muito elevados de consumo de tranquilizantes e sedativos com receita médica. Num retrato comparado com 35 países, a percentagem de consumidores daqueles medicamentos entre os adolescentes portugueses chega aos 13%, contra a média de 8% que surge espelhada no European School Survey Project on Alcohol and Other Drugs (ESPAD), que será apresentado na tarde desta terça-feira no Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), em Lisboa.
Os resultados a nível europeu confirmam a tendência para a descida dos consumos de álcool e do tabaco e para a estabilização dos consumos de outras drogas entre os jovens europeus. O inquérito feito a 96.043 jovens que completaram 16 anos em 2015 (dos quais 3456 eram alunos portugueses a frequentar o ensino público) coloca Portugal abaixo ou em linha com a média europeia. Mas há duas excepções. A positiva é que os portugueses consomem muito menos novas substâncias psicoactivas do que a generalidade dos jovens europeus. A negativa diz respeito ao consumo de antidepressivos e de tranquilizantes com autorização médica. Aqui os jovens portugueses são apenas ultrapassados pelos letões, cujo consumo atinge os 16%, ou seja, duplica a média europeia.
Longe de estar surpreendido com estes resultados, o coordenador do Programa de Saúde Mental da Direcção-Geral de Saúde (DGS), Álvaro de Carvalho, mostra-se ainda assim preocupado. “A maturação do sistema nervoso central em termos gerais só termina com a maioridade e há fortes suspeitas, com alguma evidência científica, de que os consumos de substâncias psicotrópicas interferem neste processo. Portanto, uma criança ou adolescente que consuma anfetaminas ou benzodiazepinas poderá ver comprometido o seu desenvolvimento em termos cognitivos e emocionais.”
"Fado, desigualdades sociais e ditadura"
Os dados não surpreendem, porque Portugal é há muito um dos países com maior taxa de perturbações de ansiedade, num cenário que se agrava “com a velha questão de os portugueses serem dos maiores consumidores de bebidas alcoólicas”, conforme enquadra o psiquiatra, para concluir que os elevados níveis de ansiedade e a excessiva prescrição de sedativos e tranquilizantes “parece ter razões sociológicas e antropológicas que estão por estudar, mas que poderão decorrer do fado, de desigualdades sociais, de uma ditadura que ensinava as pessoas a ‘comer e calar’”.
No caso das crianças e jovens, o cenário agrava-se pela escassez de profissionais preparados para lidar com perturbações de ansiedade. “As guidelines internacionais para perturbações de ansiedade, em qualquer idade, recomendam que a primeira intervenção seja psicoterapêutica, o que entre nós não se verifica, até pela escassez de psicólogos nos cuidados de saúde primários. Agora, não basta ter psicólogos, é preciso que estes tenham a preparação adequada para serem psicoterapeutas”, diz Álvaro Carvalho.
Curiosamente, os jovens portugueses ficam aquém da média europeia no tocante ao consumo destes medicamentos sem receita médica: apenas 5% declararam este tipo de consumo, contra os 6% da média.
Quanto ao álcool entre os jovens portugueses, o consumo mantém-se abaixo da média europeia, a qual estabilizou ou diminuiu, entre 2011 e 2015. A percentagem dos estudantes que declararam ter experimentado álcool era de 71%, contra uma média de 81% (era de 89% em 1995). Quanto ao consumo corrente, em Portugal era de 42%, ligeiramente abaixo dos 47% da média internacional. Na maioria dos países, diminuiu ou pelo menos estabilizou a percentagem de alunos que tiveram consumos intensivos nos 30 dias anteriores ao inquérito. Em Portugal, o chamado binge drinking (consumo de grande quantidade de álcool num curto espaço de tempo) foi declarado por 20% dos estudantes, menos 15 pontos percentuais do que a média.
Vinte quatro por cento começaram a fumar aos 13 anos
Quanto ao tabaco, a percepção de facilidade de acesso tem vindo a diminuir. Mesmo assim, em Portugal, 9% dos inquiridos declararam fumar diariamente (contra 13%). No que Portugal está acima é na percentagem de jovens que iniciaram o consumo de tabaco aos 13 anos ou antes (24%, contra 23%), o que agrava o risco de dependência. Em termos globais, porém, o que ressalta em 2015 é que 54% dos adolescentes afirmaram que nunca fumaram e menos de um quarto dos inquiridos (21%) podiam ser considerados consumidores correntes, numa descida que os autores do relatório atribuem às medidas restritivas do uso do tabaco adoptadas na generalidade dos países – em Portugal, a mais recente foi a proibição de fumar junto a escolas, hospitais e nos parques infantis, aprovada no último Conselho de Ministros, poucos meses depois da introdução de fotografias dissuasoras nos maços de tabaco.
A cannabis continua no topo das substâncias ilícitas mais consumidas e o seu consumo aumentou entre 1995 e 2015, quer ao nível da experimentação (de 11% para 17%), quer ao nível do uso frequente (de 4% para 7%). Os autores do estudo admitem, porém, que o seu consumo tenha diminuído a partir de 2003. Os jovens portugueses não se distinguem dos demais europeus, apesar de a experimentação estar dois pontos percentuais abaixo. Em média, 16% dos estudantes declararam ter consumido cannabis pelo menos uma vez na vida.
Outros vícios: o jogo online
Os inquéritos, que se repetem de quatro em quatro anos (e que são preenchidos em sala de aula, de forma anónima e confidencial), abarcaram nesta última versão outros comportamentos aditivos, como o uso da Internet e o jogo virtual, que os especialistas consideram poder vir a tornar-se um problema. E a conclusão foi que mais do que um em cada cinco estudantes (23%) tinham jogado na Internet pelo menos quatro vezes na semana que antecedeu o preenchimento do inquérito. E, enquanto na Dinamarca os jogos virtuais chegaram a 45% dos inquiridos, na Geórgia a percentagem não foi além dos 13%. Portugal, por seu turno, ficou-se pelos 20%.
Mais preocupante será o jogo a dinheiro. Nos 12 meses anteriores ao inquérito, foi reportado por 14% dos alunos. A prática, porém, não parece muito disseminada em Portugal, onde se quedou nos 6%. “O jogo a dinheiro na juventude pode ter consequências adversas como relacionamentos tensos, sintomas depressivos, delinquência e comportamentos criminais, além de poder agravar o risco de suicídio”, lê-se no relatório. Por isso, e porque os telemóveis, tablets e outros dispositivos electrónicos estão largamente disseminados entre os jovens, tendendo a fazer com que o jogo a dinheiro se transforme num entretenimento cada vez mais popular, sobretudo entre os rapazes, os autores sugerem que o seu uso aditivo deve ser monitorizado em estudos futuros.