É a desigualdade, estúpido!

Ai Jesus se aumentamos os impostos sobre os rendimentos de topo ou se afugentamos os vistos Gold. Ai Jesus se tributamos os que se furtam à colecta. Ai Jesus se queremos saber a origem e o circuito do dinheiro (já toda a gente se esqueceu dos Panama Papers). Ai Jesus se chegamos aos intocáveis

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ptrabattoni/Pixabay

As pressões, ataques e insultos sobre a preparação de um imposto sobre o património imobiliário ou sobre o fim do sigilo bancário para contas superiores a 50 mil euros são altamente reveladoras sobre os interesses em jogo na sociedade portuguesa.

Em primeiro lugar, mostra como alguns políticos e jornalistas pensam mais com a sua carteira do que com a cabeça.

Em segundo lugar, revela a mais absurda concepção de classe média: composta, supostamente, por agregados com património imobiliário superior a 500 mil euros. Quem nos dera que essa fosse a classe média portuguesa, num país onde o salário médio ronda os mil euros mas onde a maior parte da população não aufere mensalmente mais de 700 euros. Estudos recentes mostram como o quintil mais elevado da distribuição de rendimentos se tem afastado dos demais, devido à concentração da riqueza e ainda como a classe média empobreceu, aproximando-se do quintil mais baixo, e se tornou muito mais vulnerável à possibilidade de pobreza e à precariedade. A recente investigação de Carlos Farinha Rodrigues demonstra que, com a crise, os ricos perderam 13% do seu rendimento e os pobres o dobro!

Em terceiro lugar, vivemos num país que não assume que o seu principal problema são as desigualdades. Temos dos piores coeficientes de Gini (34,5) da União Europeia e um dos maiores fossos (pior só a Roménia e a Eslováquia) na distribuição de rendimento entre homens e mulheres. Países com maiores desigualdades têm piores desempenhos económicos. O aumento da desigualdade social, aliás, reconhece o próprio FMI, está na origem da crise de 2007-8. Mas este abismo nunca está na agenda e só se permite o assistencialismo e a sopa dos pobres. Podem-se cortar salários, pensões e aumentar brutalmente os impostos (IVA e IRS, nunca o IRC..), mas deixemos as fortunas no cofre.

Ai Jesus se aumentamos os impostos sobre os rendimentos de topo (os 5% mais ricos) ou se afugentamos os vistos Gold (imersos, desde a sua criação por Paulo Portas, nas maiores suspeitas de funcionarem como esquema de lavagem de dinheiro). Ai Jesus se tributamos os que se furtam à colecta (um dos problemas estruturais da nossa sociedade, com uma das maiores taxas de fugo ao fisco dos ricos). Ai Jesus se queremos saber a origem e o circuito do dinheiro (já toda a gente se esqueceu dos Panama Papers). Ai Jesus se chegamos aos intocáveis.

Este fechamento à discussão de uma política fiscal realmente progressiva é um dos piores sinais do nosso atraso.

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