Ministro reconhece falta de informação em anteriores acidentes com formação de comandos
Azeredo Lopes revela que a cultura de Defesa vai ser divulgada nas escolas, que em finais de Outubro estará concluído o relatório sobre eventuais práticas homofóbicas no Colégio Militar e que em Novembro haverá propostas de Portugal para o futuro da base das Lajes.
O ministro da Defesa Nacional traça um antes e depois na atitude quanto aos acidentes ocorridos a 4 de Setembro, em Alcochete, nos cursos de comandos ao reconhecer que, no passado, a informação não foi o padrão. A transparência que diz vigorar agora reforçou o Exército, mas a divulgação dos resultados das autópsias dos dois instruendos mortos ainda não está decidida. Depende do equilíbrio entre os direitos à informação e de personalidade. Está em análise o modelo daqueles cursos, sem questionar a exigência própria a tropas especiais e sem pôr em causa a vida.
Reconheceu que há um défice de 43% de voluntários e contratados nas Forças Armadas. É este o momento de recuperar o Serviço Militar Obrigatório (SMO), como ocorre noutros países?
O défice de 43% é do início de 2016 o que significa que já é substancialmente mais reduzido. Para enfrentar uma situação que é por definição anómala, não devemos procurar soluções alternativas estruturais. A situação actual, de grande falta de voluntários e contratados resulta também dos cortes orçamentais desde 2011. Isto significa que não estamos necessariamente perante um défice de apetência pelas Forças Armadas.
Então, não há regresso do SMO?
Não posso ponderar a hipótese do regresso do SMO olhando para uma situação de falha conjuntural. Esta não é uma questão que tenha de todo como prioritária porque o sistema actual ainda não foi testado, ainda não entrou em velocidade de cruzeiro. Nada do que está inscrito no Orçamento de Estado para 2016 impede o recrutamento. Em alguns países europeus não estamos a assistir ao regresso do SMO mas a estruturas intermédias como o estatuto dos reservistas em França. Nos países nórdicos há outros modelos, também nos países do leste em consequência do que ocorreu na Ucrânia e posterior anexação da Crimeia. Portanto, não há um modelo homogéneo e se essa hipótese [regresso do SMO] fosse ponderada não seria comparável ao que existia no momento da sua extinção.
O SMO não poderia contribuir para incrementar a cultura de segurança e defesa?
Não entendo, necessariamente, que a cultura de segurança e defesa fique reforçada por o rapaz e a rapariga fazerem o SMO. Gosto da expressão “cultura de segurança e defesa” mas rejeito uma visão securitária e restritiva dos direitos fundamentais para lá do que é estritamente necessário para a salvaguarda do bem útil que é a preservação da segurança e, no limite, da sobrevivência. Um dos quatro pilares da política de Defesa deste Governo é reforçar uma cultura de cidadania para a defesa, que tem uma dimensão comunicacional, não é fazer propaganda da defesa ou do ministro. Queixamo-nos que os jovens não percebem a importância identitária do país, da defesa, da segurança, que é uma falha formativa do nosso sistema. E eles não percebem porque nunca ninguém lhes falou do assunto. Mas não há uma aversão em relação às Forças Armadas ou à noção de segurança. Do ponto de vista empático – há um documento recente da DECO que o comprova – as Forças Armadas e as forças de segurança são as instituições que estão sempre no topo. Mas isto traduz-se em nada, ou em pouco, pela tal ausência de cultura de defesa.
Que vai fazer para superar essa situação?
Há um referencial de defesa elaborado na esfera do Instituto de Defesa Nacional em articulação com o Ministério da Educação que só estava a ser testado em Baião e dei instruções para que o mais brevemente possível fosse generalizado. No distrito do Porto já foram celebrados acordos com as principais câmaras para que as crianças e os jovens tenham acesso a esses conteúdos: o que é a defesa nacional, quais o símbolos nacionais, as principais organizações internacionais relacionadas com estes assuntos, qual o papel das Forças Armadas e das forças de segurança. Também já foi celebrado um acordo da mesma natureza na área de Lisboa. A seguir vai ser no distrito de Viseu. Queria que, no máximo, em dois três anos, banalizássemos estes conteúdos.
Os parceiros que apoiam o Governo estão sensíveis à promoção dessa cultura de segurança e defesa?
Penso que sim. A área da defesa, como área de soberania, não está incluída no acordo do Governo, e os partidos que apoiam o Governo têm dimensões e interpretações de defesa nacional que não são coincidentes com a política seguida. Encaro esse facto de forma natural, que, como se sabe, ocorre quanto a uma organização internacional como a NATO. Do ponto de vista dos conteúdos educativos, que têm uma marca e não são assépticos, não detectei qualquer discordância, pois procurou-se que fossem transversais e relativamente consensualizáveis.
Uma das suas intervenções com maior notoriedade foi a relativa a situações de homofobia no Colégio Militar. A questão ficou resolvida? Face às críticas de parte da hierarquia militar agiria do mesmo modo?
Agiria exactamente da mesma maneira. Mas quem foi a hierarquia militar que me criticou?
Houve demissões, críticas de altas patentes na reforma…
Podemos andar à volta do assunto, ocorreu a demissão do Chefe do Estado-Maior do Exército, do qual nunca ouvi críticas…
A demissão é uma crítica.
Ele demitiu-se invocando razões pessoais.
Isso conforta-o?
Não conforta nem desconforta. Tenho a permanência ou a saída de funções como um acto natural. Ao contrário do que disse, não há críticas expressas pela hierarquia militar…
Houve opiniões críticas de oficiais-generais na reserva com prestígio e influência nas Forças Armadas. Isto para si não teve significado?
Convivo muito bem com o pluralismo e com a liberdade de opinião, mas não reconheço estatutos a quem não os tem. Não vou analisar protagonismos mediáticos, influências, avaliações corporativas, tenho isso como normal. Entendi por bem não responder, porque respondo quando quero, não foi a multiplicação de pronúncias mais ou menos ameaçadoras…
Portanto reconhece que existiram críticas?
Reconheço, só se fosse cego ou tivesse algum problema de apreensão é que não reconhecia.
Regressando ao Colégio Militar. A situação está resolvida?
Seja no Colégio Militar ou num contexto social mais alargado, a discriminação por orientação sexual nunca está resolvida. Estamos a falar de processos dinâmicos, de alterações comportamentais, de concepções até culturais relativamente aquilo que, não há tanto tempo, era apresentado como uma tara, depois como uma doença, uma perversidade e por aí adiante. Do que se tratou na altura, e que não era aceitável, é onde existe potencialmente o risco desses comportamentos homofóbicos não haver imediatamente uma intervenção. Aquela lógica muito portuguesa de olhar para o lado ou, como foi solicitado, só aveludadamente através dos gabinetes, é algo que não acompanho. Acho que deve haver recato na tomada de decisões e que quando é necessário intervir com carácter público intervém-se. O que aconteceu foi que, independentemente das avaliações que se possa fazer do responsável da altura do Colégio Militar, do que se tratava era, perante aqueles indícios, no mínimo perguntar. Diferentemente dos que acenavam com o fim do mundo, com o fim das Forças Armadas, isto não representou qualquer ataque específico ao Colégio Militar, mas deixou as regras claras. Que não é aceitável a impunidade perante a hipótese de discriminação quanto à orientação sexual.
O que é que foi feito?
Até finais de Outubro temos o estudo quanto à hipótese de práticas homofóbicas no Colégio Militar, que resulta da inspecção determinada pelo já Chefe de Estado-Maior do Exército. Não é muito tempo, porque a verificação de práticas não é algo que se determine por meia dúzia de perguntas. Depois, há uma questão que pode parecer formal mas para mim é muito importante: foi incluir no regulamento do Colégio Militar a proibição de qualquer forma de discriminação, especificando a discriminação por opção sexual. Também pode parecer formal, mas foi substituída a questão dos afectos [que constava dos estatutos].
Depois das duas mortes e internamento de instruendos comandos, está no horizonte a revisão dos procedimentos de instrução, apertar a malha nas fases de pré-selecção e selecção, em termos de perfil psicológico e adaptação física?
O Chefe do Estado-Maior do Exército decidiu iniciar um processo rigoroso de averiguações para apurar o que correu mal e porque correu mal a 4 de Setembro, para saber porque se perderam duas vidas e houve instruendos internados. Outra decisão, cautelar, foi a de mandar fazer exames médicos mais transversais a todos os instruendos e não continuar o 127º curso enquanto estes resultados não fossem apurados, o que foi conhecido na quinta-feira reiniciando-se, na passada sexta, o curso. Há um terceiro inquérito para analisar as condições actuais da formação, selecção e o modelo, que pode justificar correcção ou adopção de medidas que, sem questionar a exigência que é um pressuposto da preparação de forças especiais, não põe em causa a saúde e, muito menos, a vida dos instruendos.
Quando estará concluído este terceiro inquérito?
Será, certamente, o mais demorado. Implica terem de ser tomados em consideração parâmetros físicos e de configuração do curso. Enquanto não estiver concluído implica a não realização de próximos cursos. Quero dizer que, hoje em dia, há com certeza uma atenção reforçada relativamente à formação ministrada nos cursos dos comandos. Para que, aqueles que têm excessos de virilidade não confundam com abaixamento de critérios de exigência, entendo, tal como o Exército, que é possível manter uma força especial com medidas precaucionais para evitar as duas mortes que tivemos agora.
A chamada ao INEM significa a ausência de meios próprios no local para a evacuação?
Está a decorrer um processo de averiguações e só com o apuramento dos factos se saberá.
O resultado das autópsias vai ser tornado público?
Não sei. É uma questão que ainda não pensei, que se colocará mais tarde. A divulgação do resultado das autópsias vai relacionar dois valores fundamentais, o direito à informação e a ser informado e os direitos de personalidade que não se extinguem com a morte e que determinarão a divulgação de toda a autópsia ou dos elementos que se considerem pertinentes para garantir o direito à informação.
Nos casos que ocorreram em cursos de comandos em 1988 e 2003, não houve esta preocupação de informação. Inclusivamente os pedidos de informação ao Exército não foram satisfeitos…
Tenho a certeza absoluta que o Exército não deixará de respeitar esse dever. Como, aliás, é de realçar que o Exército deu uma demonstração exemplar de transparência ao iniciar imediatamente averiguações, ao ir dando, passo a passo, informações sobre o estado de saúde dos jovens. Isso, que sei bem que pode não ter sido um padrão no passado, é um facto que tenho obrigação de destacar. Por isso disse que, no meio desta tragédia, o Exército saiu mais forte.
No Ministério da Defesa, há um trabalho de continuidade quanto à reforma do programa 2020?
Não há um trabalho de continuidade no sentido político, não creio que a marca política no século XXI se faça com os penachos de leis, contra leis ou estudos. Faz-se, às vezes, por medidas menos visíveis mas com muito mais impacto estrutural na área da defesa nacional. Aliás, não me entusiasma rigorosamente nada a abordagem da Defesa 2020, há muitos aspectos na lei da defesa nacional que me inquietam. Na área da Defesa, há consensos bastantes alargados, pode haver uma ou outra divergência quanto aos instrumentos gerais que têm uma característica interessante. São pomposamente elaborados e, depois, há uma tendência curiosa: uma vez aprovados nunca mais ninguém os lê. É o fado dos conceitos estratégicos de Defesa Nacional.
Tem reparos a fazer ao seu antecessor?
Não gosto muito de ajuste de contas a posteriori nem gosto que evoquem a divindade dos tempos passados, mas já me aconteceu. Há, claramente, uma visão muito diferente na indústria de defesa, muito diferente. Há seguramente uma forma muito diferente de interpretar as Forças Armadas como instrumento de uma política externa. Acho que [agora] há mais consistência, doutrina que se está a desenvolver, pelo que a execução das políticas tem tendência a ser mais coerente, mais eficiente.
Que outras diferenças há em relação ao ministro Aguiar-Branco?
A terceira é a percepção de que se a despesa global pode ser a mesma, aliás tem vindo a subir, há que repensar certas estruturas orgânicas e a sua vocação, por exemplo na área da promoção e internacionalização da defesa. Em quarto lugar, há dossiês que não foram enfrentados durante anos e que estão a ser enfrentados…
Quais?
Na área do Apoio à Doença dos Militares e da Acção Social Complementar. Parecem coisas pequenas mas não o são. Quando se fala da condição militar, estas questões têm uma importância crucial.
O Governo mudou de estratégia quanto à venda da EID [Empresa de Investigação e Desenvolvimento de Electrónica]. Até ao Outono, o processo fica concluído mantendo o Estado 20% com direitos accionistas especiais. É assim?
Sim. A história da EID é curiosa, em termos de indústria de defesa seria a jóia da coroa, uma empresa com uma carteira muito boa até 2020, sustentável e que dá lucro. É moderna, criadora de emprego qualificado, com uma virtuosa relação com a Marinha que sempre contribuiu para o desenvolvimento tecnológico. Íamos aliená-la para quê? Sendo um activo estratégico para Portugal, o Estado não vai sair de um sítio em que está confortavelmente e em que a sua posição não interfere na gestão. A EID ainda não estava vendida, a alienação implicava dois vistos que estranhamente nunca vieram, o que alguém se esqueceu de dizer até ao adquirente, e fico por aqui. Aceitando com muito gosto, a entrada deste accionista, a Cohort, uma empresa inglesa muito qualificada, Portugal entendeu que devia ter uma participação significativa, não interferindo na gestão, mas tendo uma palavra a dizer em relação às opções estratégicas. Do ponto de vista de Defesa, as negociações estão concluídas, falta agora que as Finanças dêem o seu parecer favorável.
Qual a incorporação de mão-de-obra e de indústria nacional na modernização dos helicópteros Lynx já existentes?
A incorporação nacional é difícil. Suponho que está a falar do ajuste directo.
Exacto. Os motores Rolls-Royce não podem ser trabalhados por outras empresas para além do fabricante do Lynx, a Agusta Westland?
Há regras relativas à propriedade industrial e intelectual que proíbem qualquer intervenção na estrutura do helicóptero.
No acordo com a Agusta Westland para os Lynx, a posição portuguesa não foi definitivamente salvaguardada?
Há uma coisa que é aborrecida, que é o Direito. Há regras internacionais da propriedade industrial e intelectual que não permitem excepções.
Mas os motores Rolls-Royce não são propriedade da Agusta Westland, mas do fabricante, da Rolls-Royce…
… mas a intervenção na estrutura do helicóptero não é permitida.
Este tipo de condições vai vigorar nos novos contratos?
Não sei, não são contratos específicos para Portugal. O que posso garantir é que foi analisado, reanalisado e trianalisado um ajuste directo que ia ser assinado por mim de 69 milhões de euros. Houve reapreciação, reforço da fundamentação. Quando assinei à luz dos elementos que dispunha, assinei plenamente convencido de que essa era a única hipótese jurídica. Depois, empresas portuguesas contestaram esse ajuste directo, mas nunca vi nenhuma a identificar-se.
Não me refiro especificamente a empresas portuguesas, há outras no mercado…
Posso-lhe garantir que nenhuma empresa no mercado deixaria de accionar os tribunais num contrato de 69 milhões de euros. Sabendo nós como o contencioso na contratação é fértil, não há concurso público internacional que não esteja sujeito a providências cautelares, nunca me chegou uma carta ou um protesto.
O Governo considera a possibilidade destes acordos no futuro terem condições menos leoninas?
Não tem qualquer hipótese. Não há contratos tailor-made [à medida] quando a referência é feita a princípios fundamentais da propriedade industrial e intelectual.
Então, no caso dos Lynx não há volta a dar?
Não há. Se interviesse na estrutura do helicóptero nunca mais poderia ser imputável ao fornecedor o que viesse a acontecer. E o ministro ia fazer de aprendiz de feiticeiro e sujeitar-se a colocar em risco os que viessem a utilizar os helicópteros? Não é por uma razão de protecção minha, mas não tenho direito de pôr em causa ou de tirar a capa da responsabilidade do produtor pela fuselagem, pela intervenção e remotorização.
Qual é o ponto da situação sobre a participação das Forças Armadas no âmbito das Nações Unidas ou de outras organizações em missões no estrangeiro?
Foi reforçada a dotação orçamental no ano passado e vai ser reforçada este ano. Há a orientação de, todos os anos durante o mandato, aumentar a dotação para nos reaproximarmos dos valores prévios à crise. Hoje, a gestão e o custo das Forças Nacionais Destacadas (FND) é muito mais eficiente, é menos dinheiro que se gasta para obter um resultado equivalente o que, conjugado com o aumento da dotação orçamental, vai-nos levar rapidamente a patamares que são importantes serem restabelecidos.
Não teme posicionamentos ideológicos diversos entre o Governo o BE e o PCP que travem a actuação?
Não sei se pode travar, mas já ocorreu. Recordo que o secretário-geral do PCP criticou, em plenário na Assembleia da República, declarações do ministro da Defesa a propósito da República Centro Africana. Do mesmo modo, o Bloco de Esquerda tem a posição que todos conhecemos – e respeito – relativamente à NATO. Não tenho de convencer ninguém, o que tenho é que demonstrar, e não ser contraditado, que em nenhuma circunstância a participação de FND sob a minha tutela viola o direito internacional. Ponto importante na política de defesa nacional é o retorno às Nações Unidas. Um pilar da política externa portuguesa é valorizar as organizações multilaterais e especificamente a ONU. Houve um reforço da participação no Mali, depois a opção República Centro-Africana, representações mais pequenas no Afeganistão e, à margem da ONU, na coligação internacional, no Iraque com o treino de tropas locais. Outro objectivo é reforçar a presença nas operações da NATO e, neste quadro, deixar o papel passivo que tínhamos e tentar influenciar. Como se viu na definição de uma posição comum dos países do sul da Europa em relação ao Daesh, numa atitude muito comum dos países do norte e do centro da Europa em relação ao leste.
Como estão as negociações para as bases das Lajes?
Têm várias dimensões, uma da competência do Ministério dos Negócios Estrangeiros, outra do Ministério da Defesa que vai fazer uma proposta.
Quando?
Tem de ser feito com alguma celeridade, dentro de dois meses no máximo, em Novembro. Temos de estar cientes que os Estados Unidos não têm intenção de repor aos níveis de décadas atrás a sua presença, pelo que Portugal tem a obrigação de encontrar projectos, não necessariamente militares, mas de duplo uso e da investigação, um dos quais está a ser conduzido pelo Ministério da Investigação e do Ensino Superior e outro que está a ser pensado pela Defesa.
Porque defende que não podem existir estatutos diferenciados na GNR e nas Forças Armadas?
A existência de estatutos diferenciados quando alguns evocam identidade de situações é potenciador de conflitos infindáveis e de escaladas em que cada uma das partes procura olhar para a outra imputando-lhe vantagens ou inconvenientes. Se os homens da GNR são militares, são militares como os militares das Forças Armadas e, assim sendo, o estatuto não deve ser diferenciado nos direitos. Tal vale para a GNR como para as Forças Armadas. Por isso, sempre defendi uma unificação. O diploma que agora vai para consulta e foi aprovado no conselho de ministros é um passo muito importante, porque inclui a questão das pensões, dos regimes transitórios…
Mantém-se o direito à reserva cinco anos antes da reforma?
Mantem-se, aliás como para a GNR.
Não acha que é um privilégio os militares receberem durante cinco anos o seu salário na íntegra antes de passarem à reforma, podendo desempenhar outras funções remuneradas?
Não é um privilégio, é um direito. A estrutura das Forças Armadas sofreu um cataclismo desde o fim da guerra colonial. Tinham centenas de milhares de elementos e o objectivo agora é de 30 a 32 mil. As Forças Armadas têm uma dimensão operacional em que a componente física tem de fazer sentido. É de interesse público que isso ocorra, senão tínhamos uma estrutura demasiada envelhecida para desempenhar cabalmente as suas funções. São [os militares na reserva] pessoas na plenitude das suas capacidades intelectuais, a quem o Estado, que precisa de renovar os quadros, não pode mandar “à sua vida”. É um custo que se tem de assumir para existirem Forças Armadas.
Disse ser inevitável a volta da Força Aérea ao combate aos fogos. Para quando esse regresso?
No quadro do investimento nas Forças Armadas temos a Lei de Programação Militar (LPM) e dá-se a circunstância de que há uns anos foi descontinuada a presença da Força Aérea no combate aos incêndios…
… Essa descontinuação surpreendeu-o?
Surpreendeu, já foi há uns anos largos.
Atribuiu-a a quê?
Não tenho que procurar atribuições, tenho que registar, nessa altura não tinha responsabilidades e podia considerar discutível ou não o modelo, mas não interessava glosá-lo até porque o contexto de hoje é completamente diferente. Hoje verifica-se um conjunto de circunstâncias que apontam a meu ver para essa inevitabilidade [o regresso da Força Aérea ao combate aos incêndios]. Como sabe, o primeiro-ministro em Monte Real definiu claramente essa opção. Isto resulta de vários elementos: de estarmos no momento em que o Estado, através da LPM, vai ter de investir na substituição dos helicópteros Alouette III, que a partir de 2017 já não podem voar. Está a terminar a sua vida útil depois de arranjos e contra arranjos, são helicópteros com décadas, a operarem desde 1978/81. O processo aquisitivo vai ser lançado muito em breve.
Vão ser comprados os Lynx?
Vai haver um concurso. Estamos a falar de um modelo similar ao Alouette III, de helicópteros pequenos. Esses helicópteros podem ser dotados, com investimento muito baixo, de meios de combate a incêndios. Portanto, seria incompreensível que, feito esse investimento, não se dotassem os helicópteros dos meios que mais directamente representam uma das vocações reconhecidas constitucionalmente das Forças Armadas que é a participação de acções associadas à protecção civil e ao bem-estar das populações.
Nessas compras também está o substituto do C-130?
Temos de os substituir. A questão torna-se mais premente depois do que tragicamente aconteceu a 11 de Julho [acidente do Montijo], perdemos três militares e um C-130. São processos de encomenda, com prazos bastante alargados, e era inaceitável que os C-130 continuassem a voar nas condições em que estavam, não por questões de segurança mas por não respeitarem os novos standards da NATO.
A hipótese de substituição é a dos KC-390?
Uma hipótese forte, com certeza, é a do KC-390, avião brasileiro da Embraer com uma incorporação nacional relevantíssima do ponto de vista tecnológico. É um dos casos em que há uma relação extremamente virtuosa entre um investimento público para atracção e capitação nacional e os resultados. Foi um projecto iniciado há seis anos, nasce de um acordo entre o Estado português e a Embraer, na qual esta se comprometia a investir e a criar emprego em Portugal, com tradução nas actuais instalações de Évora e na robustez que hoje têm as OMGA [Indústria Aeronáutica de Portugal, S.A]. Em contrapartida, o Estado português financiava a investigação aeronáutica para o desenvolvimento do modelo. Em seis anos foi desenvolvido um avião [KC390] com uma incorporação nacional de 56%, com uma produção muito significativa da fuselagem externa superior a 50% e com a criação de um cluster aeronáutico que Portugal não tinha, numa área tecnológica de concorrência feroz.
O KC-390 é adaptável na luta contra incêndios?
Perfeitamente adaptável, pela montagem de um sistema de captação de águas por abastecimento através de cisterna.
Em Espanha, o governo Zapatero criou a Unidade Militar de Emergência, com efectivos de várias especialidades não só para combater incêndios mas para acudir a calamidades naturais. É um exemplo para Portugal?
Há que ir por capítulos. A presença das Forças Armadas em operações de vigilância e rescaldo, que não substitui nem é ofensiva [para outros corpos], é importante. Este ano, a previsão de pelotões que podiam ser activados foi superada, com 39 pelotões de 20 homens, num total de 780, em rotação, o que significa vários milhares de militares envolvidos. No ano passado, o máximo de pelotões envolvidos foi 15. Foram canceladas licenças de férias e cerimónias, com um tempo de empenhamento de cada soldado na fase mais crítica de 72 horas consecutivas. Ao ponto de termos estado no limite do equipamento de que eram dotados, um aspecto que vai ter de ser melhorado. Fomos até ao limite sem violar as regras de segurança. O pedido de ajuda do Ministério da Administração Interna foi facilitado em dois dias.