Edward Albee, o dramaturgo que mostrou à América como sobreviver à intimidade
1928-2016: mais conhecido como o autor de Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, teve uma carreira de pequenas mortes, paixões e ressurreições.
Edward Albee, dramaturgo nova-iorquino, mais conhecido como o autor de Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, morreu sexta-feira aos 88 anos em Long Island, depois de uma vida de pequenas mortes, paixões e ressurreições. Em Portugal, as suas peças podem ser encontradas na coleção Livrinhos de Teatro, dos Artistas Unidos, ou nas edições do Teatro Nacional D. Maria II.
Edward fora o nome próprio dado pela sua mãe. Nascido em 1928, foi entregue para adopção, tendo sido acolhido semanas depois por Reed e Frances Albee. Reed era o herdeiro de uma série de salas de teatro de vaudeville.
Depois de várias tentativas de se tornar escritor, Albee arriscou a única forma que ainda não tinha experimentado: o teatro. (O autor contou numa entrevista que dizia para si mesmo: "Edward, estás a melhorar como poeta, mas o problema é que não te sentes mesmo como um poeta, sentes? Sentes-te como alguém que está a escrever poesia.") A sua primeira peça, A História do Jardim Zoológico, de 1959, foi escrita em apenas algumas semanas, numa máquina de escrever do escritório onde trabalhava como paquete, conta Mel Gussow, antigo crítico do New York Times, na biografia de Albee.
A peça estreou-se primeiro em alemão, em Berlim, numa sessão dupla com o texto A última fita de Krapp, de Samuel Beckett. Quando foi apresentada a versão na língua original, na Greenwich Village nova-iorquina, teve início uma carreira que viria a redefinir a dramaturgia norte-americana da segunda metade do século XX. O teatro off-Broadway começava então a ganhar força, e as peças de Albee, retratando o egoísmo e desespero da classe média norte-americana, cumpriam a função de servir de espelho para a sociedade. A partir daí, peças em um acto, com duas personagens, continuidade temporal, sobre a dificuldade de criar um vínculo, em que a crueldade é a única maneira de tocar o outro, tornaram-se um modelo para o teatro nos EUA. Eram um retrato da cultura norte-americana. A peça Quem Tem Medo de Virginia Woolf? é um expoente deste modelo, aumentando a crueldade e — ironicamente — a intimidade.
Albee foi incluído, no início da sua carreira, na lista de autores do Teatro do Absurdo, em especial por retratar o desejo e a impossibilidade de comunicar com o outro, que nos anos 1950 e 60 era um dos temas centrais da dramaturgia. Para Antonio Mercado, encenador e dramaturgo, Albee, ao contrário de Ionesco ou Beckett, mantém nas suas peças uma “aparência de enredo”, superada pela reacção extraordinária das personagens às circunstâncias, assente numa angústia mais existencial que metafísica, revelando um pensamento filosófico e dramatúrgico incomum no teatro norte-americano. “Sob a capa de situações aparentemente banais, surgem figuras que fazem a delícia de qualquer actor, por serem extremamente vitais”. Albee gosta de partir de situações e fórmulas convencionais para se revelar extraordinário nas palavras, diz Jorge Silva Melo, director dos Artistas Unidos.
O parentesco maior talvez seja com Harold Pinter, o dramaturgo inglês premiado com o Nobel em 2005, frisa Mercado. Silva Melo recorda que os dois autores se admiravam mutuamente e concorda que, apesar das diferenças, ambos se preocupavam com a “destruição da idade madura”, criando personagens que não sabem sobreviver ao facto de terem deixado de ser jovens. De facto, lembra, na temporada em que Amélia Rey Colaço apresentou Albee pela primeira vez em Portugal, em 1967, no Teatro Avenida, o texto do norte-americano Um Equilíbrio Delicado alternava com uma peça de Pinter, Feliz Aniversário, com direcção de Artur Ramos.
Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, de 1962, indicada para o Pulitzer pelo júri do prémio, acabaria por ver a atribuição ser suspensa, causando a demissão dos jurados. A peça ganhou cinco prémios Tony e a adaptação para cinema, realizada por Mike Nichols em 1966, arrebatou o Óscar em cinco categorias. Elizabeth Taylor, que entrava no espectáculo e no filme, ganhou ambos os prémios com esta peça. (Em Portugal, memorável, segundo o crítico Augusto M. Seabra, foi a encenação de João Vieira, com Glória de Matos e Jacinto Ramos, em 1971, no Teatro Monumental). Com os proventos do texto, Albee desenvolveu várias iniciativas de apoio a novos autores norte-americanos e, em 1967, criou uma fundação para receber escritores e artistas plásticos em residências artísticas em Long Island, num espaço conhecido como The Barn. O título, contou Albee à Paris Review, foi achado escrito no espelho da casa de banho de um bar em Nova Iorque.
Um Equilíbrio Delicado, de 1966 (que estreou em Lisboa no ano seguinte, com Varela Silva, Amélia Rey Colaço e Mariana Rey Monteiro), e Paisagem Marinha, de 1975 (inédita em Portugal), receberam o prémio Pulitzer de melhor peça. Nos anos 1980, o autor pareceu perder o favor do público e da crítica, injustamente, para Silva Melo, que considera peças como Casamento em Jogo, de 1987, que gostaria muito de encenar, autênticas obras primas. Durante esses anos, Albee lutou contra (e venceu) o alcoolismo. Três Mulheres Altas, de 1994 (montada no São Luiz dois anos depois), iniciou uma nova fase de reconhecimento e deu-lhe o seu terceiro Pulitzer, quase 20 anos depois do anterior.
Quase dez anos depois, A Cabra, ou Quem é Sílvia?, de 2002, mostrou um Albee ainda muito capaz de surpreender a plateia. Na peça, a personagem principal apaixona-se por uma cabra. (O texto estreou em Portugal em 2004, com encenação de Álvaro Correia, na Comuna). Subintitulada Notas para uma definição de tragédia, fez prova de uma vitalidade tardia que contrastava com o seu pessimismo. “A maioria das pessoas gasta muito tempo a viver como se nunca fossem morrer”, disse numa entrevista ao New York Times, em 1991.
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