Porque é que os jovens emigram e não querem voltar?
A emigração actual é diferente da dos anos 1960. 57% dos jovens até aos 24 anos já vive fora do país ou admite emigrar.
O supercomputador Titan, residente nos EUA, contém um número abismal de transístores, mais propriamente 177 biliões, e aproximadamente 5 ligações entre cada transístor. Superior ao Titan, o cérebro humano tem cerca de 100 mil milhões de neurónios, cada um deles ligado a 10 mil neurónios, transmitindo sinais de neurónio para neurónio através de mil biliões de sinapses. É este o potencial do cérebro humano.
Os cerca de 260 mil Portugueses que emigraram desde 2008 a 2014 (segundo dados da Pordata) representam este potencial perdido. Apesar desta situação, o concurso Valorização do Empreendedorismo Emigrante (VEM) lançado em Julho de 2015 não conseguiu mais do que captar cerca de 80 Portugueses. A questão que se levanta é por conseguinte: Porque é que os jovens emigram e não querem voltar? Numa primeira análise, podíamos responder com o simples argumento de que não há trabalho. Contudo, esta questão exige uma análise histórica e contextual.
Esta emigração atingiu números que ultrapassam o máximo histórico registado no final dos anos 60, em plena guerra colonial. Nessa altura, a emigração fazia-se a partir de uma população sem instrução, que não tinha meios de subsistência, mas que queria viver em Portugal e ansiava um dia voltar. A emigração actual é diferente. Os jovens conhecem a realidade internacional, possuem conhecimento tecnológico e são empreendedores. Ainda para mais, a grande maioria é bem formada e com menos de 30 anos. De acordo com um estudo recente feito pela empresa Zurich, 57% dos jovens até aos 24 anos já vive fora do país ou admite emigrar. O investimento feito na formação destes jovens custa a Portugal (segundo dados da OCDE) cerca de 100 mil euros para um aluno percorrer o caminho desde o ensino básico ao ensino superior. Se assumirmos que 30% dos cerca de 37 mil portugueses que emigraram todos os anos de 2008 a 2014 já tinham um curso superior, isto significa um investimento português de 1200 milhões de euros!
Em boa verdade, a questão posta acima não é muito diferente do exercício que temos anualmente nas universidades norte-americanas de recrutar os melhores alunos possíveis. As instituições de ensino de topo contratam até consultores para entender como atrair e reter as melhores mentes. Os factores que pesam na decisão destes alunos são inequívocos. Em primeiro lugar, os alunos procuram os locais com maior reputação na sua área de interesse. Desta forma, os alunos encontram a motivação, o conhecimento e o ambiente propício ao seu desenvolvimento. Este investimento pessoal a longo prazo é essencial no processo de selecção. Depois, entra o segundo factor – a questão económica – ou seja, as condições monetárias oferecidas para que os alunos sintam tranquilidade e bem-estar no sentido de executarem as suas funções eficazmente. Finalmente, o terceiro elemento a considerar tem a ver com o local onde viver. Neste caso, características como clima, custo de vida, diversidade cultural, taxa de criminalidade e densidade populacional influenciam o momento da decisão.
Transportemos agora estes atributos para o caso da emigração portuguesa dos últimos anos. Os dados estatísticos indicam que a segurança no trabalho (62%) é a principal condição que leva os jovens a emigrar, assim como estabilidade política (37%), baixa taxa de criminalidade (35%) e possibilidade de poupança (20%). Como seria de esperar, a segurança no trabalho, a estabilidade política e a possibilidade de poupança estão intimamente relacionadas com os factores acima descritos, isto é, o desejo de seguir um sonho, as aspirações para evoluírem profissionalmente, as condições monetárias que façam um jovem sentir-se valorizado e recompensado, assim como um local para viver que transmita serenidade.
Portugal tem um clima fabuloso, uma paisagem maravilhosa, uma gastronomia fantástica, uma cultura riquíssima, uma população moderada e criativa. De facto, num primeiro encontro, parece existir tudo para que Portugal fosse a inveja de muitos países e atraísse uma população qualificada, dinâmica e jovem. Porém, na realidade, sabemos que não é assim. Mas porquê? O que falta nesta mistura que evita a concretização deste potencial?
O primeiro ponto tem a ver com a organização extremamente centralizada, vertical e hierárquica em praticamente todas as esferas da sociedade, que não é meritocrática e dificilmente deixa aflorar pensamentos “de baixo para cima”. Neste clima, os jovens sentem as suas capacidades reprimidas, com poucas possibilidades de progredir na carreira. Veja-se por exemplo no sistema público o facto da progressão na carreira ser condicionada pela abertura de vagas e o sistema de salários se encontrar tabelado, o que desmotiva profundamente o empenho e a dedicação profissional de um cidadão. Um segundo aspecto diz respeito ao carácter temporário do emprego. O facto de não existirem em muitos casos um vínculo contratual, pelo menos de médio prazo, pressupondo naturalmente um rigoroso regime de avaliações, cria instabilidade e falta de sentido de missão. Mais uma vez, um jovem não reconhece futuro no seu percurso, o que não lhe permite traçar uma trajectória de sucesso. Aliada a esta precariedade de uma carreira a médio prazo, a compensação monetária não é competitiva. Atendendo a um estudo recente feito pela Universum, o primeiro salário médio atribuído a um profissional após a conclusão da universidade é de 6343 euros na Suíça, 3956 na Alemanha, 3894 nos EUA e 988 em Portugal. Em suma, os jovens perderam a confiança no sistema existente e sentem-se frustrados por não verem o seu valor reconhecido.
Mas então o que fazer? Como primeira medida, temos que apostar tanto nas pessoas como nas infra-estruturas. Não faz sentido investir centenas de milhões de euros em edifícios e equipamentos se em paralelo não pensamos nos recursos humanos essenciais para que a infra-estrutura funcione em pleno. São estas pessoas, muitas delas jovens que vão dar vida e futuro aos investimentos executados. Em segundo lugar, temos que concentrar os esforços de uma forma estratégica. Dada a pequena escala de Portugal, a reputação das instituições passa pela existência de uma massa crítica em determinadas áreas temáticas (por exemplo energias alternativas), que permita reter e atrair os jovens portugueses e estrangeiros. Estes jovens querem fazer parte de grandes projectos, de grandes ideias e seguir os seus sonhos. Isto requer uma política de longo prazo e não programas que se alteram radicalmente sempre que haja uma mudança de governo.
Em paralelo, é crucial existir um sistema meritocrático de compensações, sejam elas monetárias, promoções, distinções, que valorizem o trabalho efectuado. De contrário, a ausência desta prática desmotiva profundamente o empenho e a dedicação dos jovens, o que os leva a emigrar e não regressar. A emigração dos jovens tem um impacto negativo a nível demográfico, para além de Portugal perder também capacidade inovadora que beneficia os países para onde emigram. Como disse o escritor Milan Kundera: “os jovens vivem sempre na infinidade do tempo, o que os permite atingir momentos excepcionais de energia, esperança e criatividade.” Portugal não pode extinguir esta chama. Afinal de contas, estes jovens deveriam ser o futuro de Portugal e não ser Portugal a restringir o seu futuro.
Professor Catedrático, Universidade do Texas em Austin, EUA