Exaustos, desiludidos ou baralhados. Um terço dos professores sente-se assim
Inquérito a 2910 professores. 60% lamentam que os pais “não se preocupem com a educação dos seus filhos”. Desmotivação, falta de apoio familiar e desatenção são os problemas maiores que identificam nos alunos dos dias de hoje.
Um terço dos professores preferia deixar de dar aulas num futuro próximo, em vez de continuar na escola. Um pouco mais, 35%, dizem-se exaustos, desiludidos, baralhados ou (mais residualmente) desesperados ou com outros sentimentos negativos quando lhes é pedido para descreverem a sua relação com o trabalho. Quase dois terços (64%) acham que a educação piorou em Portugal nos últimos anos (17,5% acham mesmo que piorou muito). Mais de 80% entendem que a sociedade não valoriza esta profissão, que o Governo também não valoriza, que perderam tempo e condições para reflectir sobre as suas práticas, que a sua autonomia encolheu e cresceu a carga de trabalho.
Muitos (60%) sentem que os alunos estão mais desmotivados do que no passado. E lamentam que os pais “não se preocupem com a educação dos seus filhos”. Consideram que a desmotivação e a falta de apoio das famílias são os dois “principais problemas” das crianças e dos jovens com quem trabalham. Estarem “desatentos” nas aulas é o terceiro mais mencionado.
INFOGRAFIA: As preocupações e motivações dos professores
Estes são resultados de um estudo que se baseia nas respostas de 2910 professores, de 130 escolas, públicas e privadas, de todos os níveis de ensino, excepto superior, recolhidas em Maio, Junho e Julho deste ano.
O inquérito foi coordenado por Joaquim Azevedo, investigador da Universidade Católica, ex-secretário de Estado da Educação e presidente do Conselho de Administração da Fundação Manuel Leão, que lançou este projecto chamado As preocupações e as motivações dos professores.
“É como se um pessimismo endémico tivesse tomado conta da educação escolar”, descreve Azevedo nas conclusões do trabalho que tem ainda como autores José João Veiga e Duarte Ribeiro. E que será apresentado em Vila Nova de Gaia, nesta sexta-feira, primeiro dia que marca o período de arranque do ano lectivo para o ensino básico e secundário.
Apesar de tudo, a frase: “Sinto-me motivado para ensinar” recebe a concordância da maioria dos inquiridos: 68%. Mas os restantes, e são muitos, discordam “um pouco”, ou até “bastante”, ou até “totalmente” dessa afirmação.
Reconhecimento e indisciplina
Há diferenças, em alguns aspectos, entre ensino público e privado (os professores do privado sentem-se menos exaustos e desiludidos, avaliam de forma mais positiva o trabalho docente, dizem estar mais animados), entre escolas regulares e profissionais (os professores das profissionais são os que menos acham que perderam autonomia e poder de decisão, os que se encontram mais motivados, os que mais referem que os pais reconhecem o seu trabalho) e entre professores mais jovens e menos jovens (quantos mais anos de serviço têm, mais dizem que as condições para exercer a profissão se degradaram, mais exaustos e descrentes em mudanças educativas se declaram).
Mas regresse-se aos dados globais: quanto se diz que um terço dos professores gostaria de deixar de dar aulas nos próximos cinco anos, os autores do estudo estão a somar os 13,5% de inquiridos que gostariam de reformar-se antecipadamente, os 9% que queriam fazer outra coisa que não ser professor, e os 8,1% que dizem que vão continuar a leccionar, mas porque não têm outra alternativa.
O que lhes causa mais “insatisfação no trabalho” em geral é a “falta de reconhecimento profissional” (57%). O que é mencionado como trazendo mais “dificuldades” no dia-a-dia é a indisciplina na sala de aula (52%), seguido da extensão dos programas (30%). Especificamente na relação com os alunos, o que causa mais insatisfação é a "falta de respeito" (58,9%).
Um dos maiores desafios com que se deparam na sua missão é “prestar atenção ao desenvolvimento afectivo e social dos alunos” (30,3%). Outro problema que coloca dificuldades, mencionado por um quarto dos professores: a avaliação do desempenho docente.
Mas, mesmo com tudo isto, quase todos (mais de 90%) acham que os alunos saem bem preparados da sua escola, do ponto de vista académico. E essa é, provavelmente, uma das ideias mais positivas que manifestam. Outra é que a palavra "paixão" é a mais escolhida para descrever este trabalho de "ensinar".
A culpa da comunicação social
Ainda assim, e apesar do declarado sucesso dos alunos, a grande maioria dos professores (85%) dizem que o Ministério da Educação não “valoriza” o seu trabalho. As opiniões já se dividem quando se lhes pergunta: e os alunos, “valorizam”? (51,3% acreditam que sim, 48,4% entendem que não).
A maioria (58,8%) também acha que os pais dos alunos não têm em devida conta o seu trabalho. Um dedo gigante é apontado à comunicação social: 90,7% estão convencidos de que a informação que ela veicula contribui para uma diminuição do prestígio de quem ensina.
No fim, um pouco mais de metade descreve do seguinte modo o seu “espírito habitual” na escola: “Apesar dos problemas esforço-me, e por vezes, estou animado.” E um em cada três até consegue ir mais longe: diz que “habitualmente” se sente animado.
Este não é o primeiro estudo que indica que os professores estão exaustos. “Esse cansaço e esgotamento é invocado permanentemente para se explicar quase tudo o que, de menos positivo, se passa na educação escolar, em Portugal”, lê-se no capítulo final de As preocupações e as motivações dos professores.
E foi por isso que a Fundação Manuel Leão quis aprofundar o tema numa classe envelhecida (apenas 1,4% dos docentes do país têm menos de 30 anos), que decresceu bastante (havia em 2014/15 menos 42 mil professores do que dez anos antes), redução que resulta de muitas variáveis, como a diminuição da natalidade, o encerramento das escolas e o aumento do número de alunos por turma.
Como outros funcionários, os professores sofreram corte de salários, desde 2008 “trabalham mais horas” e nunca, em 40 anos de democratização do ensino, foram alvo preferencial “de políticas governamentais” de valorização pública, escreve Joaquim Azevedo. “O poder diz-lhe a toda a hora que têm poder para produzirem o sucesso dos seus alunos, para promoverem a aprendizagem com qualidade, mas não lhes confere nem autonomia profissional para tal, nem as escolas têm níveis de responsabilidade adequados a esse exercício."
“Aceleração” e “histeria”
Nas escolas trabalha-se com “aceleração” e “histeria”. O que não é o tempo e o modo próprios da educação. Mas os professores dedicam-se, é o que garante.
Quando se lhes pede que olhem para si próprios, e se lhes pergunta “qual a maior virtude do seu trabalho”, quase sete em cada dez dizem que é “preocuparem-se com todos os seus alunos” e “ter boas relações com os alunos”. Só 8,5% reconhecem que é “gerir bem as aulas”.
“Em termos gerais, para si, qual tem sido o impacto das reformas educativas, nos últimos anos, em relação à ‘qualidade da educação’”? Foi outra questão. Mas esta divide mais. A maioria (59,1%) considera que as mudanças tiveram algum ou pequeno impacto, mas um apreciável número (27,1%) diz que tiveram um muito pequeno ou nenhum impacto.
A Fundação Manuel Leão é responsável por um programa de avaliação externa de escolas (chamado AVES), que existe há 15 anos. Um questionário foi endereçado aos directores de agrupamentos envolvidos no AVES, a que se juntaram outras escolas, explica Joaquim Azevedo. E foi dada “a garantia da confidencialidade dos dados recolhidos”. A amostra (2910 respostas) não é estatisticamente representativa do universo dos docentes, em termos rigorosos, mas fica muito próxima (se se considerar um nível de confiança de 8%). “Por isso, eu extrapolo os dados sem grande margem de erro”, remata Joaquim Azevedo.