Os Paralímpicos e a dopagem: o Império contra-ataca

Para um conjunto de atletas russos “paga o justo pelo pecador”. Esta circunstância é preocupante em qualquer Estado de Direito.

1. São conhecidos os objectivos primordiais no que concerne à existência de uma competição desportiva paralela às competições olímpicas tradicionais. Não podemos ignorar a simpatia e a admiração com que a opinião pública encara esta competição. Na verdade, é inegável que a superação de qualquer destes atletas paralímpicos está de acordo com a lógica de excelência que subjaz a qualquer competição, nomeadamente de cariz olímpico.

Infelizmente, isto não significa, porém, que muitos dos problemas jurídicos que se verificaram nos Jogos Olímpicos não se existam também nos Jogos Paralímpicos. A veracidade desta afirmação prova-se, na actualidade, com o escândalo que envolveu o suposto esquema de dopagem de Estado na Rússia.

2. A solução do Comité Paralímpico Internacional (CPI) para este problema revelou-se, no entanto, como mais extremista do que aquela escolhida pelo Comité Olímpico Internacional. Como é sabido, a 7 de Agosto de 2016, e com base nos dados revelados pelo relatório elaborado por Richard McLaren, o CPI decidiu suspender o Comité Paralímpico da Rússia (CPR). A consequência imediata desta decisão foi a impossibilidade de todos os atletas paralímpicos russos poderem participar nos Jogos Paralímpicos do Rio Janeiro.

O CPR recorreu para o Tribunal Arbitral du Sport (TAS) que, a 23 de Agosto de 2016, comunicou a decisão às partes – apresentando a 30 de Agosto os fundamentos daquela –, negando as suas pretensões. Entre os diversos argumentos invocados pelas partes – deixando, desde logo, de parte a validade da prova contida no relatório da Agência Mundial de Antidopagem – o mais problemático diz respeito à responsabilidade colectiva dos atletas russos, nomeadamente, a sua provável incompatibilidade com o princípio da proporcionalidade.

Neste sentido, invocava, por exemplo, o CPR que a sua suspensão implicava também uma sanção para os atletas russos que nunca estiveram implicados ou sequer referenciados pelo relatório de Richard McLaren e, portanto, a existência de uma sanção colectiva poderia ser substituída por uma medida menos “agressiva”.

Com algum cinismo, o TAS entendeu que a decisão do CPI não era desproporcional e rejeitou tecer qualquer consideração sobre a existência de um “direito natural” dos atletas russos, sustentando que: (i) estes não eram partes na convenção de arbitragem; (ii) o objecto do recurso estava somente relacionado com a questão de saber se é válida a suspensão de um filiado (o CPR) pelo CPI.

3. A argumentação do TAS deixou, contudo, uma “porta aberta” ao recurso individual dos atletas russos. Não pode, em todo o caso, deixar de recordar-se que, ainda que os atletas não tenham sido directamente implicados na sanção dirigida ao CPR, a verdade é que a consequência desta sanção é uma proibição de competir nos Jogos Paralímpicos para todos os atletas russos (sem qualquer excepção).

Esta linha argumentativa ainda não foi ensaiada, mas houve um pedido dirigido ao CPI por mais de 175 atletas russos no sentido de participarem nos Jogos Paralímpicos como atletas “neutrais”, que foi, porém, prontamente rejeitado a 1 de Setembro de 2016. O próximo passo (se os atletas russos assim entenderem) é o recurso de decisão para o TAS, tendo este último uma tarefa bem espinhosa.

Neste contexto é importante referir que existiu por parte do CPR, a 31 de Agosto de 2016, a tentativa de obter tutela junto do Tribunal Federal suíço (TFS) por intermédio de uma providência cautelar, a qual não logrou a obter o esperado sucesso imediato, sendo que a decisão final do TFS sobre o litígio já não será proferida antes do início dos Jogos Paralímpicos.  

4. É, igualmente, relevante mencionar que Vladimir Putin anunciou que para ultrapassar esta medida sancionatória será criada uma competição exclusivamente destinada aos atletas russos excluídos dos Jogos Paralímpicos. Esta circunstância deve ser vista como um contra-ataque à mais que provável exclusão (definitiva) dos atletas russos dos Jogos Paralímpicos.

Remete-nos, contudo, para outro problema. Não é inteiramente claro de que tipo de competição se trata. Será uma competição concorrente aos Jogos Paralímpicos ou, por exemplo, uma nova competição nacional organizada pelo CPR ou pelo Estado?

A questão está, por um lado, em saber como conciliar a suspensão do CPR com a organização desta competição. Na verdade, resta saber se, com uma certa atitude persecutória, o CPI poderá considerar que se trata de uma “competição selvagem” e não reconhecida, desde logo, porque o próprio CPR se encontra suspenso.

É, por outro lado, importante saber se estamos aqui perante uma manifestação desportiva exclusivamente organizada pelo Estado. Com efeito, pode, no limite, estar aqui em causa o “princípio da promoção da auto-organização” do Desporto Paralímpico previsto do capítulo 1.1 do Guia do CPR (que consubstancia os seus estatutos).

Em suma, o que se deve reter é que estamos aqui perante uma situação frustrante para um conjunto de atletas russos que pretendem participar nos Jogos Paralímpicos em que, seguindo a sabedoria popular, “paga o justo pelo pecador”. Esta circunstância é preocupante em qualquer Estado de Direito.

Jurista

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