Dilma Rousseff diz que destituição visou travar investigações da Lava-Jato
Em entrevista ao Le Monde antes de deixar o Palácio da Alvorada, ex-Presidente acusa ainda elite brasileira de forçar o seu afastamento para "pôr em marcha uma agenda neoliberal".
Na véspera de deixar o Palácio da Alvorada, a ex-Presidente brasileira Dilma Rousseff deu uma entrevista ao jornal francês Le Monde em que, além de reafirmar a inocência das acusações de manipulação das contas públicas, na origem da sua destituição, afirma que o real objectivo dos seus opositores foi travar as investigações da operação Lava-Jato.
“Este processo de impeachment é uma fraude. Uma ruptura democrática que criou um clima de insegurança no seio das instituições políticas”, afirmou Dilma Rousseff, cinco dias depois de o Senado ter votado em definitivo o afastamento do cargo que ocupava desde 2011 e dado posse ao seu antigo vice, o agora Presidente Michel Temer, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).
Dilma Rousseff diz “compreender que os eleitores estejam desiludidos com todos os partidos políticos”. Alega, no entanto, que sem as leis adoptadas pelo Partido dos Trabalhadores após a chegada de Lula da Silva à presidência, em 2003, “a polícia não teria conseguido descobrir o sistema na Petrobrás”, a petrolífera brasileira cujos vastos recursos alimentaram uma teia de subornos e corrupção que já levou à condenação de dezenas de políticos e empresários nos últimos dois anos.
Apesar de nunca ter sido pessoalmente envolvida, o maior escândalo de corrupção na história do país minou desde o início o seu segundo mandato e fez cair antigos dos aliados, alguns dos quais, como o antigo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, acabaram por ser decisivos para o seu afastamento, num momento em que o país enfrenta uma das mais graves crises económicas das últimas décadas.
Na entrevista ao Le Monde, a ex-Presidente responde agora que “havia um outro motivo” por trás das acusações de que manipulou as contas públicas para favorecer a sua campanha de reeleição: “a de interromper a Lava-Jato”, impedindo a continuação das investigações e a condenação dos acusados. O seu afastamento, repetiu, é o resultado “de uma guerra política, suja e hipócrita”.
Dilma Rousseff acusa ainda os opositores de terem forçado o seu afastamento para porem em marcha “uma agenda neoliberal, que não estava prevista no programa” com que foi eleita. E acrescenta: “Os protagonistas desta destituição são a oligarquia brasileira. O grupo dos mais ricos, o dos media, detidos por cem famílias” e que, em seu entender, contribuíram para alimentar a pressão popular difundindo informações enviesadas.
Da sua passagem pela presidência, a dirigente do PT lamenta não ter conseguido, em 2013, avançar com a reforma do sistema político em que convivem “35 partidos”, “que obriga a alianças” e favorece esquemas de corrupção. Mas forçar a mudança por dentro, afirma, “é como se pedíssemos a uma raposa para guardar o galinheiro”.
Acrescenta ainda que nos cinco anos e meio em que liderou o país foi visada por visada por inúmeras “acusações machistas” – “Disseram que eu era durona e depois quiseram fazer de mim uma mulher frágil, doente, deprimida” – mas com a mesma inflexibilidade com que enfrentou a prisão e a tortura durante a ditadura militar, a ex-Presidente garante que a sua saída de Brasília é um revés “mas não é o fim”. Vai deixar o Palácio da Alvorada nesta terça-feira, para regressar à sua cidade de Porto Alegre, mas garante estar optimista sobre a resposta do povo brasileiro, um dia depois de novas manifestações nas principais cidades do país contra o impeachment. “A indignação está mais viva hoje no Brasil do que nunca. O país vai progredir”.