O olho que permite viajar no tempo e no espaço de Guernica
Mais de 20 mil fotografias tiradas por um robô que começou a trabalhar em 2012 levaram à montagem de um sistema que vai permitir o estudo milimétrico da pintura. À superfície e por dentro.
Em 2012, o Museu Rainha Sofia deu início ao projecto Viagem ao interior de Guernica com um exame completo da obra de Pablo Picasso realizado por um robô de grandes dimensões. A máquina fotografava a icónica pintura de 1937 com cinco câmaras de forma alternada e uma precisão de 25 micrómetros, o equivalente a uma resolução de 0,025 mm. Agora, esta obra que marcou a história da arte do século XX e foi um instrumento valioso na luta antifascista vai poder ser vista por dentro, através de um sistema de computação construído em parceria com engenheiros da Universidade Politécnica de Madrid. Os investigadores vão poder conhecer os materiais e as técnicas usadas pelo pintor, as alterações e correcções feitas, os danos e reparações na obra.
A equipa científica formada por dois engenheiros e quatro conservadores tem estado a trabalhar nos laboratórios da Universidade Politécnica de Madrid para desvendar os mistérios da pintura de 3,5 metros de altura por 7,7 de largura, que cumpre 80 anos em 2017. De acordo com o jornal espanhol El Español, o Museu Rainha Sofia contratou a equipa por 60 mil euros para criar o sistema e analisar as mais de 20 mil imagens existentes, o que permitirá saber mais sobre o processo de criação de Picasso e a evolução do estado de conservação de Guernica. “É um sistema pioneiro nos museus de todo o mundo, que não existe nem no Louvre”, diz ao Español Lino García Morales, chefe de investigação do projecto no Centro de Domótica Integral da politécnica.
O mapeamento da pintura vai criar um sistema de informação geográfica semelhante ao Google Earth que permitirá navegar pela sua superfície, explicaram os técnicos. Devido à amplificação óptica conseguida, será possível “ver, não apenas as estradas [da pintura], como também a composição do terreno”: não só se poderá viajar por cada milímetro da obra, como também recuar no tempo e compreender o processo que deu origem à histórica obra, assim como as modificações e restauros feitos ao longo do tempo.
O olho tecnológico que permitirá ver esta pintura como se estivesse sob uma lupa gigantesca não pretende fazer a sua mera reconstrução digital, quer antes criar uma réplica maior, com uma resolução muito superior à da imagem real. Os especialistas estão a desenvolver o projecto a partir do cruzamento de "mapas" com fotografias tiradas a luz visível, ultravioleta, infravermelha e multiespectral e com scans a três dimensões. “Os mapas são fotografias que permitem procurar não apenas em plano, mas também em volume. Aparece, por exemplo, o relevo da pincelada”, explica García Morales.
Esta será uma espécie de biblioteca digital de Guernica. O sistema de informação visual permitirá também seleccionar as várias camadas da pintura e ver, por exemplo, as partes da tela que Picasso pintou com cera. “A engenharia utilizada neste projecto é própria da medicina e é uma técnica revolucionária aplicada na conservação do património cultural pela primeira vez”, conta Jorge García Gómez-Tejedor, chefe dos conservadores-restauradores do Museu Rainha Sofia.
Paralelamente ao tratamento da informação das fotografias, os conservadores estão a desenvolver um trabalho de documentação que pretende registar o processo de criação de Picasso. A principal dificuldade nesta investigação é a dimensão da obra, que torna mais complexos os estudos de alta resolução. “Não queremos distorcer a realidade”, assegura García Morales. As cerca de 20 mil fotografias produzidas pelo robô foram unidas para que não haja saltos entre imagens. “Temos que coser as imagens até as deixar sem costuras”, explicou.
Foi preciso adquirir um servidor de 20 terabytes para poder utilizar máquinas de 20 sistemas operacionais (o trabalho requer 20 computadores, que estão ligados a 30 processadores). Depois de bem oleada, a máquina permitirá desvendar os segredos de qualquer obra, excluindo-se, para já, a escultura.
Apesar de afirmar ao jornal El Español que ainda não há nada planeado, a equipa do museu gostaria de inserir algumas das suas descobertas na programação de 2017. Os conservadores indicam que o projecto terminará no final desse ano, mas os engenheiros apenas prevêem ter o protótipo pronto no próximo Verão. Seja como for, o Museu Rainha Sofia, que tem a pintura na sua colecção desde 1992, vai precisar de arranjar um novo espaço para alojar os armários que guardam os equipamentos e o servidor do Guernica digital.