As buscas em Itália continuam, mas a esperança começa a perder-se
O estado de emergência já foi declarado nas cidades atingidas pelo sismo. As autoridades avançam com o impacto do sismo no património: 293 edifícios e sítios históricos ficaram danificados ou destruídos.
A esperança de encontrar sobreviventes debaixo dos escombros começou a desaparecer. Mas os socorristas continuam as buscas nas cidades do centro de Itália que foram atingidas na madrugada de quarta-feira passada por um sismo de magnitude 6,2 na escala de Richter, que matou pelo menos 278 pessoas. Seja durante a noite com pouca iluminação, seja de dia com o calor intenso.
Foram resgatadas com vida 238 pessoas. No total estão cerca de 400 feridas, segundo dados divulgados pela Protecção Civil italiana – 40 estão em estado grave. Em Accumoli, o solo desceu 20 centímetros, reportou a ANSA, agência de notícias italiana.
“As réplicas continuam e para nós, que acabámos de passar por um terramoto, tem tido um grande impacto, particularmente a nível psicológico”, contou Anna Maria Ciuccarelli, de Arquata del Tronto, em declarações à Reuters. Nesta sexta-feira de manhã houve uma réplica de magnitude 4,8 que se sentiu na estrada de acesso a Amatrice, complicando as operações de salvamento, noticiou o jornal italiano Corriere della Sera. Foi aberta uma investigação sobre possíveis irregularidades em zonas atingidas – em Amatrice, uma escola adaptada com as medidas de segurança de prevenção de sismos ficou parcialmente destruída.
Matteo Renzi, primeiro-ministro italiano, declarou na quinta-feira o estado de emergência nas zonas afectadas e autorizou a utilização de 50 milhões de euros para financiamento das operações de ajuda às vítimas. Foi proclamado o luto nacional para este sábado, no dia em que decorrem os funerais de 50 vítimas, que morreram em Arquata del Tronto, uma das cidades gravemente atingida, localizada na cordilheira dos Apeninos. Para além do primeiro-ministro italiano, também o Presidente, Sergio Mattarella, vai marcar presença na cerimónia, a realizar-se durante a manhã em Ascoli Piceno.
Renzi anunciou mais medidas. Os impostos dos residentes nas áreas com maior destruição – Amatrice, Accumoli, Arquata del Tronto e Pescara del Tronto – foram cancelados. Um novo plano de prevenção anti-sísmica também foi apresentado, depois das questões levantadas sobre o número elevado de vítimas deste sismo, numa zona já conhecida pelo risco de actividade sísmica – em 2009, a cidade de Áquila foi atingida por um sismo que resultou na morte de 308 pessoas.
Para as autoridades é difícil contabilizar o número de pessoas que se encontrava no local na altura do sismo – são zonas turísticas que recebem sempre muitos visitantes durante o Verão. Entre as vítimas mortais estão três britânicos, seis romenos, uma espanhola, um canadiano, um albanês e um salvadorenho. As iniciativas de solidariedade multiplicam-se por toda a Itália. A maior urgência agora é providenciar abrigo e bens de primeira necessidade para os sobreviventes que perderam tudo o que tinham.
Estimam-se que 2500 pessoas perderam as suas casas, diz a Reuters. No entanto, Renzi não faz previsões sobre realojamentos. “Isto não é sobre estabelecer desafios e fazer promessas. Precisamos do ritmo de um maratonista”, declarou Matteo Renzi.
Destruição do património
Enquanto não é possível fazer um balanço final de vítimas do sismo de quarta-feira no centro de Itália, as autoridades vão avançando com outros números, entre eles os que traduzem o impacto do terramoto no património.
Segundo o ministro da Cultura, Dario Franceschini, o terramoto terá destruído ou danificado 293 edifícios e sítios históricos, sobretudo igrejas e outros monumentos construídos nos séculos XIII e XIV, noticia o jornal francês Le Figaro. A agência de notícias italiana ANSA é mais detalhada, garantindo que, destes, 50 apresentam danos muitíssimo sérios ou chegaram mesmo a cair por terra.
Amatrice, a mais afectada pelo sismo, conhecida como “a cidade das 100 igrejas”, perdeu praticamente todo o seu centro histórico, também marcado por construções do Renascimento e do Barroco. Uma das suas principais igrejas, a de S. Francisco, ficou sem boa parte da fachada, incluindo a grande rosácea central, e as pinturas que no interior cobrem a nave sofreram sérios danos. Na periferia desta povoação de 2800 habitantes, membro do clube das “pequenas cidades mais belas de Itália”, a Igreja de Santo Agostinho foi completamente destruída. Pelo menos uma das torres da cidade, a do século XVI, permanece de pé, mas o seu relógio ficou congelado nas 3h36, hora a que se deu o sismo, escreve o diário britânico The Guardian. O mesmo jornal garante que os claustros de um dos palácios do Renascimento foi temporariamente transformado numa morgue.
Apesar de estar mais perto do epicentro do sismo, Núrsia, terra do fundador da ordem dos beneditinos, foi muito menos afectada do que Amatrice. A Basílica de S. Bento tem alguns vestígios do abalo, mas nada desabou e o centro da pequena cidade aguentou relativamente bem graças à “boa reconstrução” feita depois dos terramotos de 1979 e 1997, disse a presidente da região da Úmbria, Catiuscia Marini.
O sismo, que se fez sentir em Roma, a 170 quilómetros do epicentro, em Rieti, na região do Lácio, abriu pequenas rachas em algumas das estruturas das espectaculares termas romanas de Caracala e na catedral de Urbino.
A unidade da polícia italiana especializada em património, conhecida como “os capacetes azuis da cultura”, vai trabalhar na inventariação dos bens culturais afectados para que o gabinete de crise criado na sequência do terramoto pelo ministério de Franceschini possa conceber uma estratégia de intervenção. Os restauradores e arquitectos irão para o terreno, “mas só depois desta primeira fase de emergência, que deve concentrar-se exclusivamente em salvar vidas e assistir as populações afectadas”, garantiu o ministro.
O investimento necessário à reconstrução de todos os monumentos afectados vai contar com um importante contributo dos museus e sítios arqueológicos públicos italianos – as receitas de bilheteira do próximo domingo, 28 de Agosto, serão destinadas, na íntegra, às cidades afectadas, noticia a publicação especializada The Art Newspaper. Esta medida foi alargada a todo o país depois de ter começado por ser uma proposta dos museus de Turim. “Num momento como este, em que o património artístico e arquitectónico do país foi severamente atingido, é importante reafirmar o papel da cultura tornando-a acessível a todos os que estão a sofrer com esta tragédia terrível”, lê-se num comunicado emitido pela assembleia municipal desta cidade da região do Piemonte.
Para o ministro da Cultura, o grande desafio que se segue no que ao património diz respeito será garantir que estas cidades, altamente turísticas, dada a sua riqueza histórica e a envolvente natural, são reconstruídas respeitando as exigências anti-sísmicas sem perderem a sua aparência característica e tão atraente. “Estes lugares têm de voltar a ser o que eram há horas atrás”, defendeu Dario Franceschini na quinta-feira. “Amatrice faz parte da lista das cidades mais bonitas de Itália. É um desafio, mas cumpri-lo é algo que Itália deve a estas comunidades.”