Johnnie To, Ann Hui, John Woo, Takashi Miike e um festival de “cinema popular”

“Serão filmes populares mais singulares, filmes de género mas especiais. Será um festival de cinema popular”, sintetiza Marco Müller. A primeira edição do Festival Internacional de Cinema de Macau vai acontecer de 8 a 13 de Dezembro.

Foto
Para o programa Crossfire, em que uma série de realizadores de culto escolhe filmes de género a que regressam sempre, Takashi Miike escolheu O Grande Silêncio, de Sergio Corbucci. “Quero insistir neste filme porque é o único western filmado totalmente na neve 35 anos antes de The RevenantJEAN-PIERRE MULLER/AFP

A ideia de fazer um grande festival de cinema em Macau estava na cabeça de Marco Müller há muitos anos. “Vim a Macau pela primeira vez com Luís Mergulhão e Paulo Branco em 1995, para discutir a possibilidade de criar um festival. Depois disso voltei várias vezes. Havia a ideia de que este lugar podia mesmo ser a tal plataforma, fazer com que os filmes de países latinos fossem do agrado dos espectadores chineses. E também de este que seria o palco não apenas para o mercado da Grande China mas para os outros mercados do extremo oriente”, conta o director do novo Festival Internacional de Cinema de Macau.

De 8 a 13 de Dezembro, a cidade receberá a primeira edição da mostra organizada pela Associação de Cultura e Produções de Filmes e Televisão de Macau (MFTPCA, na sigla inglesa), presidida por Alvin Chau, líder do Suncity Group, um dos maiores junkets (empresas angariadoras de jogadores para casinos) do território, em parceria com o Governo desta região administrativa especial da China.

Foto
O Grande Silêncio, de Sergio Corbucci

“Felizmente foi possível acordar rapidamente com a MFTPCA e o Turismo de Macau uma série de coisas que não pude fazer na China [Continental]”, diz Müller. Serão mostrados apenas 45 filmes e haverá masterclasses e outras actividades para “preparar e criar novos espectadores, aumentando a sensibilidade do público antes do festival”. O director que manter a ideia dos “filmes do futuro, filmes que estão ainda por existir”, e por isso haverá também um ‘project lab’ para ajudar a que novas obras possam ser financiadas.

A decisão mais difícil é a escolha dos filmes, assume o programador. “Serão filmes populares mais singulares, filmes de género mas especiais. Será um festival de cinema popular”, sintetiza Müller.

O programa terá 12 longas-metragens em Competição Oficial. Na secção “Gala”, cinco dos mais importantes filmes do ano serão exibidos fora de competição com eventos de passadeira vermelha. A secção “Dragões Escondidos” contará com seis obras que mostrarão as últimas tendências do cinema asiático. Em “Melhor do Panorama do Festival”, oito longas-metragens premiadas nos principais festivais internacionais de cinema do mundo serão mostradas aos espectadores de Macau. Finalmente, “Crossfire” revelará 12 filmes da América do Sul, da Europa, do Sudeste Asiático e da Austrália, recomendados por cineastas asiáticos de renome.

“Convidei 12 realizadores de culto a escolher um filme de género ao qual regressem regularmente, por sentirem que há qualquer coisa tão marcante nesse filme que precisam constantemente de refrescar a sua memória e a experiência de vê-lo”, conta Müller. Serão filmes “que de outro modo o público nunca iria ver e isso é fantástico”, congratula-se. A lista completa de cineastas e obras ainda não foi divulgada mas o director destapa um pouco do que poderá ser visto.

Foto
“Esperava que o John Woo escolhesse um film noir francês. Conheço os seus gostos, mas enganei-me.” Woo escolheu Os Guarda-Chuvas de Cherburgo, de Jacques Demy, algo que Marco Müller acha “fantástico” Vincenzo PINTO/afp

“O [Takashi] Miike disse-me: ‘Há um filme ao qual regresso sempre’”. Miike, depois de conhecer Quentin Tarantino em Veneza através de Müller, fez um western spaghetti italiano-japonês com Tarantino como actor, Sukiyaki Western Django. Müller pensou que fosse Django, de Sergio Corbuci, o filme eleito. Estava errado. “Ele disse-me: ‘O meu filme favorito europeu de género não é Django, mas um outro grande filme pelo mesmo realizador, O Grande Silêncio’ Quero insistir neste filme porque é o único western filmado totalmente na neve 35 anos antes de The Revenant. Quero provar que o que foi chamado uma experiência explosiva já existia no cinema italiano há 35 anos.’”

Outro dos cineastas a escolher um título para a programação de “Crossfire” é John Woo, amigo de longa de data de Marco Müller. “Esperava que ele escolhesse um film noir francês. Conheço os seus gostos, mas enganei-me.” Woo escolheu Os Guarda-Chuvas de Cherburgo, de Jacques Demy, algo que o programador acha “fantástico”. “Os jovens que são fãs dos filmes de acção de John Woo vão descobrir uma óptima comédia musical”, ri-se.

Johnnie To, Ann Hui, o realizador sul-coreano Choi Dong Hoon e o suíço Clemens Klopfenstein também estarão ligados ao festival, na qualidade de embaixadores, e visitarão a cidade durante a mostra. “Ann Hui passou parte da sua infância em Macau e Johnnie To sempre achou que Macau é o set perfeito para um certo tipo de filmes. Eles podem falar em nosso nome e fazer com que as pessoas se interessem por Macau”, acredita Müller.

Foto
Os Guarda-Chuvas de Cherburgo, de Jacques Demy

Para a primeira edição do festival foram convidados cerca de 100 meios comunicação locais e internacionais, bem como compradores internacionais, realizadores, actores, produtores, distribuidores, investidores e representantes de grandes festivais de cinema, num total de cerca de 500 pessoas. “Muitos meios de comunicação estarão presentes, bem como alguns profissionais-chave. Precisamos que as pessoas que podem iniciar um certo movimento em direcção ao cinema asiático estejam aqui. No orçamento estamos também a discutir a possibilidade de convidar actores protagonistas de alguns dos filmes, isso seria muito importante para atrair atenção.”

A nível local, estão previstas duas competições: a Competição de Curtas-Metragens em Língua Chinesa e a Competição Internacional de Elaboração de Guião para Curtas-Metragens. Marco Müller vê como “muito importante a criação de um espaço para os cineastas de Macau”. “Nunca poderia aceitar dirigir o festival sem isso. Os meus primeiros interlocutores são os cineastas locais, obviamente. É por isso que estou a tentar conhecer o máximo de possas possível, ouvi-los, saber dos seus desejos, dos projectos, das dificuldades, para que possamos ajudar”, explica.

O festival terá um Mercado de Cinema, mas neste primeiro ano haverá apenas “um escritório que gerirá a compra e venda de filmes, o financiamento de projectos e as co-produções”, refere o director, adiantando que “não será um mercado normal, com expositores”, por não fazer sentido avançar de imediato para esse modelo.

No que toca à estrutura interna do festival, há uma equipa em Macau e outra de consultores internacionais para diferentes regiões. “A coordenação do programa precisa de profissionais com experiência. Nem toda a gente da equipa pode ser nova nestas lides”, frisa Marco Müller. Entre os sete consultores internacionais anunciados, surge o nome do produtor português de O Som e a Fúria, Luís Urbano.

Sugerir correcção
Comentar