Austrália vai encerrar Manus, campo onde mantém 854 refugiados detidos
Neste centro da Papuásia-Nova Guiné foram mais os que morreram do que os que conseguiram asilo, denunciou o Human Rights Law Centre.
A Austrália concordou em encerrar o controverso centro de detenção de refugiados na Papuásia-Nova Guiné. Esta é uma das instalações que integram a estratégia australiana de impedir a entrada de requerentes de asilo, enviando-os para centros fora do país. Mas não é certo qual será o destino das mais de 800 pessoas actualmente no centro da ilha de Manus.
Quando barcos lotados de pessoas tentam alcançar a Austrália — geralmente provenientes da Indonésia — são de imediato interceptados pela Marinha e levados para “centros de processamento”. O Governo australiano financia duas destas instalações, Manus na Papuásia-Nova Guiné e outra em Nauru, onde os requerentes de asilo aguardam a resposta aos seus pedidos. Os processos podem arrastar-se vários anos, durante os quais os requerentes de asilo têm de suportar as más condições destes centros.
No entanto, mesmo que o estatuto de refugiado seja confirmado, o Governo australiano recusa recebê-los. Em 2013, a Austrália concordou em pagar 400 milhões de dólares australianos (271 milhões de euros) à Papuásia-Nova Guiné para albergar o campo de detenção, que é gerido por uma empresa de segurança privada, e para reinstalar os refugiados.
De acordo com a BBC, o destino mais comum para aqueles que conseguem o estatuto de refugiados são as mesmas ilhas do Pacífico em que estiveram detidas, embora quatro tenham sido reinstalados no Camboja. Entre os requerentes de asilo enviados para Manus são mais os que morreram do que os que conseguiram obter asilo, segundo o Human Rights Law Centre, uma organização não-governamental australiana.
Em Abril, o Supremo Tribunal da Papuásia-Nova Guiné declarou que a detenção de refugiados e requerentes de asilo no centro é inconstitucional, aumentando a pressão sobre o Governo australiano para avançar com o fecho. Os juízes determinaram que os detidos se encontravam no país contra a sua vontade, o que constitui uma violação do princípio da liberdade pessoal.
A divulgação de mais de dois mil documentos pelo jornal britânico The Guardian na semana passada em que são revelados pormenores sobre as más condições do centro de Nauru e dos abusos sofridos pelos detidos também veio colocar a estratégia australiana sob fogo.
Incerteza para detidos
Porém, Canberra não revelou de que forma se irá processar o encerramento do centro da ilha de Manus, onde estão actualmente detidas 854 pessoas, nem quando será concluído o encerramento. O ministro australiano da Imigração, Peter Dutton, garantiu de imediato que nenhum dos requerentes de asilo detidos no centro “será alguma vez instalado na Austrália”.
O futuro das 854 pessoas detidas na ilha de Manus pode passar pela transferência para o centro de Nauru ou para um outro centro na ilha de Natal, escreve a BBC. A directora do gabinete da Austrália da Human Rights Watch, Elaine Pearson, disse ao Guardian que o encerramento do centro de detenção de Manus chega “com grande atraso” e apela a mudanças na forma como os requerentes de asilo são tratados pela Austrália.
“Quase mil pessoas em Manus já perderam três ou mais anos das suas vidas fechadas num limbo sem uma boa razão. Suportaram sujidade, instalações lotadas, cuidados médicos inadequados e violência. É tempo, finalmente, de deixá-los avançar com as suas vidas em segurança e com dignidade.”
O acordo foi divulgado pelo primeiro-ministro da Papuásia-Nova Guiné, Peter O’Neill, depois de um encontro com Peter Dutton esta quarta-feira em Port Moresby. “É importante que este processo não seja apressado, mas levado a cabo de uma forma cuidadosa. É preciso ter em conta os interesses das pessoas da Papuásia-Nova Guiné e o bem-estar dos requerentes de asilo e refugiados”, disse O’Neill.
Ainda esta quarta-feira um discurso do primeiro-ministro australiano, Malcolm Turnbull, foi interrompido por manifestantes que pediam o fecho dos centros de Manus e Nauru.
Apesar de grande parte das embarcações de imigrantes que se dirigem à Austrália serem provenientes da Indonésia, são sobretudo membros da minoria Rohingya — cuja perseguição na Birmânia é reconhecida pela ONU — que as enchem. Mas Canberra mantém a sua recusa em aceitar refugiados que tenham chegado à Indonésia após Junho de 2014, apesar dos vários apelos lançados por Bali.
A estratégia de combate à “imigração irregular” na Austrália teve início em 2001, com a chamada “Solução do Pacífico”. Depois de intensa pressão das organizações de defesa dos direitos humanos e do próprio Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, em 2008 o programa acabou por ser abandonado e os centros de detenção encerrados. Mas quatro anos depois, a política de envio de requerentes de asilo para centros nas ilhas do Pacífico foi ressuscitada.
Segundo o Governo de Canberra, o objectivo da sua política restritiva de imigração é desencorajar os traficantes de pessoas que lucram com o transporte de refugiados.
“Esta não é uma questão política intensa e tóxica neste país. Temos um Governo e uma oposição unidas para ver quem consegue ser mais duro ou cruel”, dizia em Abril à Al-Jazira Pamela Curr, do Centro de Recursos para Requerentes de Asilo.