Toda a música (e tudo o resto) que há para descobrir entre um rio e uma vila

Há a relação que se cria ao longo do tempo (venham daí LCD Soundsystem ou Thee Oh Sees), há as esperadas revelações (serão King Gizzard And The Lizard Wizard?). Há isso, a Praia Fluvial do Taboão e a vila lá em cima. Venha daí o Vodafone Paredes de Coura.

Foto
James Murphy, dos LCD Soundsystem DR

O arranque é esta quarta-feira mas, na verdade, o Vodafone Paredes de Coura 2016 já começou há algum tempo. Sabemo-lo porque fomos vendo nas redes sociais multiplicarem-se as fotos da muito verde e muito arborizada zona de campismo no centro nevrálgico do festival, a Praia Fluvial do Taboão, a encher-se de tendas dia após dia. Sabemo-lo porque na vila propriamente dita, centro indispensável da vivência diária do festival, desenrolou-se um mini-festival antes do festival propriamente dito, com concertos de Bellrays, Pega Monstro, Duquesa, Galgo ou Quelle Dead Gazelle. Tudo preparado, portanto, para que se inicie o 24.º Paredes de Coura (que já começou).

No ano passado, pela primeira vez na sua história, os bilhetes esgotaram. Este ano, tudo aponta para que aconteça o mesmo – há dois dias restavam apenas três mil passes gerais. A lotação não aumentará, mantendo-se num máximo de 23 mil espectadores diários, porque é óptimo sentir o calor de multidões concentradas na música que os palcos oferecem, mas é muito menos do que óptimo conviver com sobrelotações que originem filas pouco simpáticas para comida e bebida ou que nos obriguem a lidar com os cotovelos daquele marmanjo que não conhecemos de lado nenhum. Não é certamente nessas condições que queremos ver os LCD Soundsystem quando, esta quinta-feira, às 22h, subirem a palco como especialíssimos cabeças-de-cartaz desse dia e como uma das bandas mais aguardadas, não só no festival minhoto mas, arriscamos, no Verão português de festivais.

A banda de James Murphy anunciou um regresso-surpresa passados meros cinco anos da épica despedida com um concerto no Madison Square Garden, o lançamento de um documentário, Shut Up and Play the Hits, e, depois dele, de um álbum com o registo da derradeira actuação. Ao longo da sua primeira vida, deixou marca indelével na música nascida na alvorada do século XXI. Editou três álbuns irrepreensíveis, percorreu o mundo como máquina electro-tecno-motorika’n’roll imaculada e, ultrapassada a resistência provocada pelo quebrar da promessa feita em 2011 – era o mesmo fim da história, garantiram-nos, e nós acreditámos , foi crescendo a ansiedade perante a perspectiva do reencontro.

Que para a data portuguesa da digressão de regresso tenham escolhido Paredes de Coura é, se quisermos apelar ao romantismo, particularmente feliz. Foi neste mesmo festival que a banda de Losing my edge se estreou no nosso país. Estávamos em 2004 e James Murphy e companhia não tinham ainda sequer editado o álbum de estreia. Estrearam-se como surpresa a seguir atentamente nos anos seguintes, regressam como nome com lugar reservado na história da música popular urbana. Esta relação com as bandas prolongada no tempo, numa familiaridade que se estreita, surge plasmada de forma evidente nesta edição do festival.

Revelações e regressados

Já esta noite teremos em palco os Unknown Mortal Orchestra, autores de um incendiário concerto no palco secundário em 2013, e que agora regressam, após a mutação de psicadelismo lo-fi em psicadelismo hi-fi com genes funk incorporados no sistema, como destaque do arranque oficial do festival (0h15). No mesmo dia em que se celebrarão os LCD Soundsystem, teremos o privilégio de ver o palco principal ocupado pelos Thee Oh Sees, californianos liderados pelo irrequieto John Dwyer que são hoje uma das melhores bandas rock’n’roll a pisar palcos planeta fora – em 2014 levaram uma multidão ao palco secundário, agora apresentarão o recentemente editado A Weird Exits no anfiteatro natural que serve a plateia do Paredes de Coura (22h20). E não ficamos por aqui. Sexta-feira, os eclécticos Cage The Elephant têm destaque de cabeças-de-cartaz, dois anos depois de terem sido surpreendidos pela multidão que os aguardava ao início da noite (0h45). Sábado, os Portugal, The Man ressurgem no Minho, seis anos depois de terem oferecido o seu rock muito 70s ao final de tarde minhoto: desta vez, porém, terão honra de destaque no alinhamento, antecedendo, às 23h15, a actuação dos escoceses CHVRCHES, que sobem a palco às 1h e que são autores de um electro-pop vaporoso que Paredes de Coura testemunhou em 2014. Isto, claro, sem falar do contingente português que regressa passado alguns anos: Orelha Negra (quarta, 1h45), Capitão Fausto (sábado, 19h40), Sean Riley & The Slowriders (sexta, 19h), Moullinex (sexta, 2h), Best Youth (quarta, 21h15) ou We Trust. Estes últimos, a quem caberá assinar o primeiro concerto do festival, esta quarta, às 20h, assinarão uma actuação especial, fruto do trabalho desenvolvido ao longo do último mês com jovens músicos de Paredes de Coura.

A identidade do festival não se constrói, obviamente, apenas desses regressos. Pelo contrário. Ao longo da sua história – e principalmente ao longo dos últimos dez anos , o Vodafone Paredes de Coura faz-se também da vontade de revelar nomes que estejam a construir o seu lugar no cenário musical contemporâneo. Em 2016, teremos muito por onde escolher. No primeiro dia, os Minor Victories, galeria de ilustres que junta Rachel Goswell, dos Slowdive, Stuart Braithwaite, dos Mogwai, Justin Lockey, dos Editors, e o realizador James Lockey (22h45). Nos seguintes, a folk expansiva de Ryley Walker (18h) e o folk-rock luminoso dos Whitney, revelação deste ano discográfico (19h15), a par dos Algiers, americanos que fazem uma inesperada ponte entre as sombras negras do pós-punk e a intensidade emocional do gospel (21h30). Todos eles actuam na quinta-feira, o dia em levaremos um choque de realidade com a bílis cuspida sem contenção pelos indispensáveis Sleaford Mods (20h40) e em que, infelizmente, não veremos Sharon Jones, que ocuparia o papel de mestre soul que, no ano passado, coube ao muito celebrado Charles Bradley – problemas relacionados com o tratamento ao cancro de que padece obrigaram ao cancelamento da digressão europeia, sendo substituída pela londrina Shura. Confirmadíssima é a presença dos australianos King Gizzard & The Lizard Wizard, cuja viagem pelo rock’n’roll feito escapismo criado nos últimos 40 anos os tem transformado numa das coqueluches do panorama rock da actualidade – o último álbum, Nonagon Infinity, é nada menos do que irresistível, a banda toca quinta às 21h20 e espera-se que seja uma das revelações desta edição do Paredes de Coura (ou, no mínimo dos mínimos, uma belíssima antecipação da chegada dos ingleses Vaccines, que em 2014 foram um dos favoritos do público).

Este equilíbrio entre o familiar e as revelações faz parte, como escrevemos da identidade do festival. O restante constrói-se através da relação construída com o magnífico espaço que alberga o Vodafone Paredes de Coura: a vila com a farta gastronomia minhota à disposição, a zona do campismo melhorada com o aumento do número de casas-de-banho e o triplo do de chuveiros; o rio Coura e suas margens relvadas, onde durante a tarde haverá jazz e sets DJ ideais para o cenário bucólico, bem como as sessões Vozes da Escrita, estreadas no ano passado e que nesta edição reunirão Samúel Úria a Gisela João (quinta) e Capicua a Adolfo Luxúria Canibal (sexta) para a leitura de textos seleccionados pelos músicos.

Se, chegados a domingo, dermos por nós, em balanço pessoal, a sussurrar que o festival Paredes de Coura foi igual a si mesmo, então ficará confirmado nesse momento que correu tudo muito bem – e guardaremos connosco uma série de concertos ainda frescos na memória, enquanto esperamos que se anuncie o que aí virá em 2017.

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