Um velho pesadelo chamado Etiópia
Aliada do ocidente no combate ao terrorismo, a Etiópia volta às suas antigas convulsões internas-
Não tem uma história pacífica, muito longe disso. Nos tempos de Hailé Selassié bem como durante a regência da junta militar marxista que se lhe seguiu (e que o depôs), a repressão foi uma constante, mesmo quando não ocupa páginas nos jornais. Mengistu Hailé Mariam, o líder marxista que aterrorizou o país entre 1974 e 1991, chegou a ser condenado à morte, à revelia, pelas purgas do “Terror Vermelho”, com milhares de mortos e desaparecidos. Mas escapou ileso e vive exilado no Zimbabwe de Mubage.
É certo que, a par da repressão ditatorial ali dominante, a Etiópia venceu de alguma forma as fomes endémicas e registou até um crescimento notável a sua escala: o PIB etíope aumentou 10% na última década, registando no ano passado (2015) a incrível taxa de crescimento de 8,7%, a maior do mundo. Isto, no entanto, não tirou o país da miséria. E a Etiópia continua a ser uma das nações mais pobres do mundo. Se a isto somarmos a carga repressiva que nunca a abandonou, temos uma mistura explosiva. Que, agora, um conflito inesperado colocou está em permanente ebulição. Começou no ano passado, precisamente aquele em que o crescimento económico do país foi maior: em Novembro e Dezembro, centenas de pessoas saíram à rua para protestarem contra um plano de expansão da capital etíope. Porquê? Porque os expropriados eram da etnia oromo, a maior do país, mas sem poder correspondente (a etnia que detém o poder, do governo às forças de segurança, é a dos tigrés). À repressão do governo, responderam os expropriados com novas surtidas, trazendo para o seu lado uma etnia rival, os amaras, que se lhes juntou ampliando o protesto e fazendo dele uma causa comum. O governo respondeu com mais repressão e essa resposta teve um efeito multiplicador. Em lugar de pararem, os protestos multiplicaram-se. Já não apenas na capital e periferias, mas um pouco por todo o país. Um país que tem cerca de 100 milhões de habitantes, dos quais a maioria são oromos e amaras (60%), sendo a minoria dominante (10%) os tigrés. Mas não é do ponto de vista das lutas étnicas que este levantamento popular está a ser encarado, pelo contrário. Ele assume a forma de um protesto popular contra o Governe e os seus desmandos, exigindo justiça, o fim da repressão e pelo reconhecimento dos direitos políticos dos opositores. Nestes meses, porém, o que o governo imaginava ser um protesto episódico não abrandou. O governo fala em “forças inimigas da paz” mas, ao mesmo tempo, aumenta a repressão de forma brutal, prendendo, matando (a polícia dispara balas verdadeiras, não de borracha, e a Human Rights Watch fala mesmo em 400 mortos nas ruas, na sequência da repressão de manifestações) e silenciando tudo o que pode, incluindo a imprensa (o país está na lista negra neste domínio) e as redes sociais. O mais caricato de tudo isto é que o plano de expansão foi abandonado. Mas o protesto que dele nasceu, devido à repressão, continuou. Assim, aquele que era visto como um farol de estabilidade no Corno de África, treme. E, com ele, o mundo.