Os portugueses que mandam no judo americano

O luso-descendente Jimmy Pedro é o treinador da selecção dos EUA, tal como o seu pai, James Pedro Sénior. Nesta quinta-feira, entra em acção Kayla Harrison, a grande esperança do Team USA para o ouro.

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James Pedro comemora a conquista da medalha de bronze nos Jogos de 2004 DR

Na zona de fumadores do Arena Carioca 2, um senhor de bigode branco está confortavelmente sentado com um charuto na mão, a apanhar algum sol. Olhando para a sua credencial olímpica, com uma faixa verde, a cor dos treinadores, confirma-se que este senhor de charuto meio fumado é mesmo aquele que é considerado como uma espécie de pai do judo norte-americano, sendo que o seu filho é o seu herdeiro directo. No Jogos do Rio de Janeiro, são os dois treinadores do “Team USA”, James Pedro Sr. e Jimmy Pedro, antigo campeão mundial e duas vezes medalha de bronze, que tinha o hábito de derrotar no torneio olímpico de judo representantes do país dos seus antepassados.

No grande mosaico que é o desporto norte-americano, o judo passa despercebido, quase ao ponto de ser ignorado. Ainda assim, tem um número de medalhas mais que respeitável em Jogos - 12, uma delas de ouro, conquistada em 2012 por Kayla Harrison (-78kg), um título que ela irá nesta quinta-feira defender nos tatami do Rio. Muitas destas conquistas passaram pelas mãos de Pedro pai e Pedro filho no seu dojo, em Wakefield, no estado de Massachusetts, incluindo a de Harrisson, o bronze de Marti Malloy, em Londres 2012 (às custas, entre outras, de Telma Monteiro) ou o bronze, em 2008, de Ronda Rousey, que foi judoca antes de se mudar para as Mixed Martial Arts (MMA).

Nenhum deles fala português ou admite grandes relações com as tradições portuguesas para lá de gostarem de frango assado e marisco, mas as origens dos Pedro estão no arquipélago dos Açores, em São Miguel, terra de onde partiu, ainda criança, o avô paterno de Pedro Sénior. “Mesmo o meu pai, que era o mais novo de 18 irmãos, já não falava português. E nunca estive nos Açores. Não há lá torneios de judo”, conta ao PÚBLICO o decano treinador. Jimmy, pelo contrário, já esteve uma vez em Portugal a convite de Nuno Delgado, um amigo de quem chegou a ser colega numa equipa alemã.

A herança portuguesa de Jimmy Pedro não lhe provocou quaisquer sentimentalismos na hora de enfrentar portugueses, como judoca e como treinador. Como atleta, aconteceu por duas vezes, frente a Michel Almeida em 2000 e João Neto em 2004, como treinador foi em 2012, com Marti Malloy, que derrotaria Telma Monteiro logo na primeira ronda rumo ao bronze. “Tenho muitos amigos portugueses, o Michel, o Pedro Soares, o Nuno Delgado... Não gosto de os enfrentar em competição, são muito como eu, muito apaixonados”, diz o norte-americano.

Não houve, para já, nenhum encontro com judocas portugueses no Rio. Mas aconteceu em 2012, a enorme surpresa de Malloy eliminar Monteiro, então no topo do ranking. Jimmy Pedro tem uma explicação. “A Telma tinha ganho a Malloy todas as vezes, mas eu sabia que a Telma ia ser a porta-bandeira de Portugal na cerimónia de abertura, havia muita pressão e muita expectativa, que depois se transformou em ansiedade e em dúvida. Com essa pressão, os atletas nunca dão o seu melhor”, dizia o treinador ao PÚBLICO antes de se disputar no Rio a categoria de -57kg, em que os destinos se inverteram – a portuguesa foi bronze, a norte-americana saiu ao primeiro combate.

Bem mais longínquos no tempo estão os combates de Pedro com Neto e Almeida, mas o norte-americano lembra-se bem. Aliás, ele lembra-se de todos os seus combates como se tivessem sido ontem. “Eram candidatos às medalhas? Peço desculpa, foi uma coincidência… Ele [Michel Almeida] era muito bom em pé e era muito difícil de pontuar contra ele, mas ele cometeu um erro e colocou-se à mercê do meu ponto forte, a luta no chão”, recorda Pedro sobre o confronto com o português, que era, na altura, o campeão europeu de -73kg.

Quatro anos depois, na mesma categoria, Pedro afastou João Neto, que tinha sido medalha de bronze nos Mundiais de 2003. “Foi a primeira vez que lutei contra o Neto, sabia que ele era muito poderoso. Eu estava muito cansado e sabia que ia ser duro, mas era o destino, estava numa missão, talvez tecnicamente eu não fosse tão bom, mas lutei como um maníaco e consegui batê-lo no chão”, conta Pedro, que viria a chegar ao bronze em Atenas (já tinha ganho uma em Atlanta 1996). Este segundo pódio teve um sabor muito especial para o norte-americano porque aconteceu depois de ter abandonado temporariamente o judo, face ao fracasso em Sydney 2000, onde se apresentava como campeão mundial e favorito ao ouro.

Pedro é considerado um dos melhores judocas norte-americanos de sempre, mas não foi o primeiro da família. Voltemos a dar a palavra a Pedro Sénior. “Eu era um miúdo muito doente. Tinha meningite, mas era um bocado selvagem. Cresci numa zona dura de Boston. Depois apanhei poliomielite e estive à beira da morte. Nunca fui muito rápido, nem muito grande. Durante anos tentei fazer desporto, mas nunca consegui. Por causa da minha herança latina, pensavam que eu era mexicano e, todos os dias, durante anos, tinha de lutar a caminho da escola e no regresso a casa. Comecei a levantar pesos e ganhei músculo. Depois do liceu, quando ia trabalhar com o meu pai, passava por um ginásio onde havia judo. Desde que comecei, nunca mais entrei numa luta, a não ser no judo.”

Pedro Sénior nunca chegou a ser olímpico, ao contrário do filho, que esteve em quatro, entre 1992 e 2004, mais três como treinador. Ambos ensinam no Pedro’s Dojo, que serve como local de treino de toda a selecção norte-americana, procurado pelos melhores judocas do país. Os Pedro têm um método que buscou influências em vários lados, mas que Pedro Sénior resume numa ideia universal: “Há muitos que não querem vir trabalhar connosco porque não querem trabalhar no duro. O meu pai, que era um tipo normal (um “regular joe”) sempre me disse, trabalhar no duro e poupar dinheiro. É nisso que acreditamos.”

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