ANC com o pior resultado de sempre nas eleições locais da África do Sul
Aumenta a pressão sobre o Presidente Jacob Zuma. O partido que domina a política sul-africana desde o fim do apartheid continua a ter mais votos, mas está em risco de perder importantes centros urbanos para a oposição.
O partido do Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla em inglês) sofreu o seu mais duro golpe eleitoral desde o fim do regime do apartheid na África do Sul, ao ficar pela primeira vez abaixo da barreira psicológica dos 60% (e dos 50% nos grandes centros urbanos). Nas eleições locais realizadas na quarta-feira, foi esmagado na Cidade do Cabo e perdeu para a oposição da Aliança Democrática outros bastiões importantes, como Port Elizabeth, correndo ainda o risco de ficar também sem Pretória e Joanesburgo.
Os resultados preliminares da votação mostram uma significativa perda de apoio da histórica formação que ascendeu ao poder com Nelson Mandela, nas primeiras eleições democráticas no país, em 1994. O ANC continuou a ser o partido mais votado, mas a perda de alguns dos seus bastiões municipais terá inevitavelmente consequências políticas para o seu líder e actual Presidente da África do Sul, Jacob Zuma, fragilizado pela situação económica do país e por uma série de escândalos de corrupção.
“Enquanto a classe média está insatisfeita com o nível de incompetência e corrupção no Governo, os mais pobres sentem-se frustrados com a falta de empregos – a pagar bem ou mal”, notava Sebastian Spio-Garbrah, director da empresa de análise de mercados DaMina Advisors, à Reuters.
Com dois terços dos votos contados a nível nacional, o ANC mantinha o seu estatuto de maior força política sul-africana, com uma vantagem de 53% sobre a Aliança Democrática, que registava 28%, e sobre o recentemente criado o movimento radical de esquerda Economic Freedom Fighters, do controverso Julius Malema, com 7%. Porém, os resultados provisórios apontam já para uma queda de cerca de 10% nos votos no ANC, que pela primeira vez ficará abaixo da fasquia dos 60% no total nacional.
A Aliança Democrática, que desde 2015 é liderada po Mmusi Maimane, o primeiro negro a ocupar o cargo, manteve o governo da Cidade do Cabo que já lhe pertencia, e assegurou também Port Elizabeth. Muitos apoiantes tradicionais do ANC estão a mudar a sua aliança para a oposição, preocupados com o elevado desemprego no país e descontentes com o Governo de Zuma – que em Abril sobreviveu a uma moção de destituição no parlamento, depois do Tribunal Constitucional o ter obrigado a devolver cerca de 14 milhões de euros aos cofres do Estado, gastos em obras de melhoramento da sua residência privada.
A pressão sobre Zuma (que não conseguiu ver o seu partido vencer a eleição no seu município natal de Nkandla, que será governado pelo partido nacionalista Zulu Inkatha) vai certamente avolumar-se depois das eleições, agora que a facção crítica do ANC tem mais um argumento para pedir o seu afastamento. E como notavam vários analistas, além de poderem alterar o cenário político antes das eleições gerais de 2019, a votação desta semana pode marcar o fim do sistema de partido único que se instalou depois do fim do apartheid, com as sucessivas vitórias do ANC.
“Sempre dissemos que esta seria a eleição da mudança, porque mais do que um referendo a Jacob Zuma como figura nacional, era também um referendo sobre o futuro da África do Sul”, declarou o líder da oposição, Mmusi Maimane, à radio 702. “Estamos muito entusiasmados com o nosso crescimento em todo o país. Parece que vamos ser governo em vários lugares que eram dominados pelo ANC”, acrescentou à Reuters um dos dirigentes da Aliança Democrática, James Selfe.
A conquista de Port Elizabeth pelo partido da oposição, além da importância política, tem um carácter simbólico de humilhação para o ANC: a cidade faz parte da municipalidade baptizada como Nelson Mandela Bay, em homenagem ao grande herói da luta contra o apartheid. Com 90% do voto escrutinado, a maior força de oposição tinha uma vantagem de 49% contra 40% do ANC. Em Joanesburgo e Pretória, com metade dos votos contados, os dois partidos estavam virtualmente empatados: ambos com 43% na capital 42% em Joanesburgo.
Uma nova era de coligações
A confirmar-se a tendência (os resultados definitivos só serão fechados esta sexta-feira), a votação inaugurará uma nova era na política sul-africana: a da negociação para acordos de coligação. “É um grande revés para o ANC, mas abre um novo capítulo, que nunca foi explorado”, ao obrigar os partidos a firmar acordos de governo, disse à Reuters Daryl Glaser, especialista do departamento de Estudos Políticos da Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo.
Para o analista Daniel Silke, a principal mensagem a reter após estas eleições é a de que o tempo da previsibilidade política na África do Sul acabou. “Já não há vitórias antecipadas nas eleições sul-africanas: a população acabou de mostrar ao ANC que o pode tirar do poder quando quiser”, disse à AFP.